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- Almas da Liberdade
Em Almas da liberdade, de Paulo Rafael, Romildo Ibeji e Stiãojs, o leitor encontrará poesias, prosa, artes gráfica e crônicas, registros de memória, saudações à ancestralidade e ao sentido da liberdade. Segundo os autores, o sentido da liberdade é ter muita fé na vida e em tudo que a inspira, apesar das atrocidades, dificuldades, opressão e contradições do cotidiano. O pensamento poético da consciência negra dos três autores homenageia o ativismo da luta negra, intelectuais, artistas, sambistas, entes queridos e queridas, guerreiras e guerreiros do dia-a-dia. Cada um ao seu modo nos fala de projeto de futuro e reinventa o Brasil sacudindo palavras de ordem e progresso que não combina mais com azul celestial da bandeira brasileira, e sim com a indignação de toda a sorte, e com as injustiças sociais, fim do futebol-arte e dos sonhos das famílias negras. “Sim… produzir sentidos… porque me parece que para essas ‘almas livres’, escrever significa de algum modo elaborar suas histórias e paixões, dar nome às coisas simples que permeiam a existência cotidiana, para trazer à tona as lembranças e ao mesmo tempo lançar o olhar e o coração para o futuro que virá”, como bem aponta Lucy Franco, no prefácio. A organização e coordenação editorial é de Wagner Merije. www.aquarelabrasileira.com.br/almas-da-liberdade Lançamento: 25/08/2017, das 19h às 23h Teatro Espaço Cultural Lélia Abramo Rua Carlos Sampaio, 305 – Bela Vista, São Paulo/SP #katawi #Almasdaliberdade #PauloRafael #RomildoIbeji #Stiãojs #aquarelabrasileira
- O Teatro Amazonas e o Terreiro do Índio: Encontro de Águas
Por mais que haja lendas explicando a origem do nome Amazonas para o estado brasileiro que concentra, na sua maior parte, a floresta amazônica, o que vale mesmo é o sentido arquetípico desse nome, tão coerente com as impressões que se tem quando se está em Manaus. Esse lugar é intensamente aconchegante e ao mesmo tempo hostil, muito feminino em seu princípio hermético de gênero. Aconchegante porque é quente, úmido, grandioso e eloquente. Hostil porque é muito quente, muito úmido, muito desordenado e absurdamente essencial. Isso lembra a dureza e a beleza arquetípica das Amazonas. A joia de Manaus é o seu Teatro. Para desfrutar dessa joia, é necessário observá-la enquanto está sendo utilizada. Naquela gruta fresca, embaixo do sol escaldante, da lua brilhante ou da chuva abundante, qualquer voz ou som do palco chega aos ouvidos, postados em quaisquer pontos da plateia ou camarotes, com incrível maciez e nitidez. Deve ser a melhor acústica dentre todos os teatros do Brasil. Mas o Terreiro do Índio não fica atrás. Percorrendo um trecho curto de barco pelo rio Negro, chega-se à comunidade de Índios Desana, designada como parceira turística no empreendimento da visita dos forasteiros e viajantes. Os Desana recebem os visitantes com lindíssima espontaneidade cênica. São introduzidos num recinto amplo, circular, paredes e teto de folhas de palmeiras. Todos se sentam nos bancos ao redor. E é apresentado um espetáculo de música e dança. Esse espetáculo é uma das coisas mais lindas que se pode ver na vida. É um conto místico que fala da origem cósmica dos homens através do tempo, nascimento e morte. Desperta emoções em todos. Os convidados são chamados a participar da dança. As pessoas dessa família Desana são simplesmente lindíssimas. Todos tiram fotos com os meninos, meninas e velhos. E todos depois querem conversar com o diretor, o “seo” Domingos, para saber mais alguma coisa a respeito dos Desana. O fato é que a acústica do Terreiro é a mais perfeita possível. Puríssima, em meio às árvores de altura nunca vista em outro lugar. Os sons das flautas, percussões, vozes em todas as tonalidades e alturas, enfim toda a miríade delicada e aveludada da música dos Desana é ouvida em sensação de preenchimento acústico perfeitíssimo. Quem mora em cidades ou em lugares sempre próximos a cidades barulhentas não conhece a pureza sonora de um local em meio a árvores e rios, onde as cidades estão a uma distância considerável. O espetáculo Desana e o espetáculo do corpo de dança do estado do Amazonas, os quais são apresentados, um no teatro e o outro no terreiro, não diferem em grau qualitativo: ambos ricos e lapidados. Evidentemente há a diferença de maestria entre a técnica centenária dos Desana em contraste com a técnica experimental do moderno grupo de dança. A primeira é superior em exatidão e harmonia. Em compensação a segunda não persegue essas qualidades e assume o experimentalismo com seriedade e apuro. O que resulta desse contraste espontâneo entre cidade e mato, civilização moderna e cultura centenária, europeu e índio, é a gargalhada do simples face ao complicado: a arte é simplesmente uma humanidade mágica harmônica, que se faz por entre construções científicas ou pela sabedoria tradicional. De acordo com Jaime Moura Fernandes Diakara, indígena da Etnia Desana, escritor e professor, o povo Desana “tem sua origem no Alto Rio Negro, às margens do rio Tiquié, bem perto da fronteira com a Bolívia. Atualmente, eles residem no baixo Rio Negro numa área própria e até pagam impostos. Sobrevivem do turismo, artesanato e outras sabedorias indígenas, não possuem assistência da FUNAI. Dentista é particular, quanto às outras doenças, são tratadas pela sabedoria do Pajé Curandeiro Kissibi Kumu.” O Teatro Amazonas foi edificado entre 1881 e 1896, tendo como base um projeto do Instituto Português de Engenharia e Arquitetura de Lisboa e é famoso por abrigar grandes óperas desde que foi inaugurado. O Corpo de Dança do Amazonas (CDA) existe desde 1998 com o objetivo de integrar os corpos artísticos do Teatro. A lenda das Amazonas remonta à mitologia grega, na qual figuram como integrantes de uma antiga nação de mulheres guerreiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram, em 1542, à região que hoje integra a Amazônia, dizem ter encontrado um grupo de índias guerreiras, ao qual associaram o mito grego. De acordo com Gaspar de Carvajal, o escrivão da expedição, as “icamiabas” (“peitos partidos” em tupi) eram mulheres altas, musculosas, de pele clara e cabelos compridos e negros. Atualmente as Amazonas gregas têm sido representadas no mundo pop pela Mulher Maravilha, personagem de HQ, criada em 1942, que não tem nada em comum com as Amazonas da Amazônia, a não ser a referência grega. Fotos de Walter Antunes LEETRA INDÍGENA, v. 2, n. 2, 2013 - São Carlos: SP: Universidade Federal de São Carlos, Laboratório de Linguagem LEETRA. #manaus #LuamaSocio #luama #turismo #viagem #sociedadesindígenas #desana #dessana #jaimediakara #WalterAntunes #Katawixi
- Uberê Fekundi, pintor de máscaras e ancestrais
Essas pinturas, que se assemelham a graffitis em telas pequenas, de rostos que são máscaras, sempre circulares e meio duras ao mesmo tempo, são feitas por Uberê Fekundi, um jovem artista plástico de São Paulo. Ele diz que pinta e existe sempre sob o sabor da cultura dos ancestrais, seus avós índios e negros. Eu disse a ele que talvez seus quadros pintassem as máscaras da nova cerimônia. Ele está preocupado com a opressão política sobre a periferia, sobre negros, índios, homossexuais. “A história e a cultura dos negros e dos índios foi apagada, por isso acho necessária a busca dessa ancestralidade. A mídia tenta mostrar uma harmonia cultural, mas sinto que isso não existe. Todos temos as nossas dores. As dores do povo negro e índio são importantes para mim. O racismo na nossa cultura é muito sutil”, diz. Por outro lado não espera coisas de quem vê seus quadros. Não está preocupado em mandar mensagens específicas. Ele pinta para a própria satisfação. E gosta de mostrar. As pinturas de Uberê pendem para o abstrato, apesar de delinearem algumas figuras. “Não gosto de coisas realistas, gosto de brincar com as cores e com as formas”. Na sua própria visão, a palavra forte para sua arte é “brincadeira”. Desenhista desde criança, é fascinado pelas formas do corpo humano e suas maiores influências são os artistas do graffiti Akbo (Guilherne Akbo) e Nave Mãe (Rafael Murayama). Uberê Fekundi assina seus quadros como URBNO. Além de artista plástico, também faz poesia, música e teatro, de várias formas. O contato com Uberê Fekundi é pelo Facebook, página URBNO com suas obras. www.facebook.com/urbnoarte #uberefekundi #urbno #graffiti #artepaulista #luamasocio #Katawixi
- A palavra belicosa e alguma periculosidade filosófica cotidiana
O que é bastante curioso em Filosofia é que as questões que os filósofos gostam sempre parecem obviedades sem valor para o não-filósofo. A arte do pensamento não tem tido muito apreço, desde o começo dos tempos. De um lado quase que há uma ditadura do estilo analítico em Filosofia: o corporativismo universitário. Do outro lado, há a ojeriza ao pensamento e às palavras, típica da cultura da nação. É hilário e algumas vezes desesperador conversar com as pessoas até o ponto em que elas se contradizem porque passam a “pensar” no significado das palavras quiçá compartilhadas pelo contexto subjetivo do discurso “bate-papo”. Elas acabam tentando impor o limite da conversa a todo momento simplesmente porque discordam sobre o “sentido” das palavras. Vive-se por esta vida levando broncas quanto à impropriedade de palavras: desde o vendedor da loja de tintas até a mãe, as pessoas querem dizer qual é o verdadeiro significado de uma palavra, ou ensinarem que aquelas palavras que se está falando não existem! Num determinado ponto da interatividade verbal, é claro, as pessoas podem arrefecer e talvez consintam, se estiverem com disposição ou energia, em ouvir melhor as palavras, em conexão com as outras áreas da interação comunicativa, mas isso só no caso em que for vantajoso: por exemplo, no caso do vendedor de tintas. Porque nos relacionamos com palavras - essa é a verdade - as situações verbais, cotidianas, revelam muita coisa, pasme, justamente a respeito dessa relação! Assim, compartilho aqui, sete coisas reveladas: Primeira revelação: as palavras chamam a atenção sobre elas; tornam-se centrais nas situações de comunicação verbal. Segunda revelação: como as palavras são, na verdade, instrumentos para a comunicação, e não os objetos de comunicação em sua totalidade, elas desconcertam o pensamento daqueles que as usam “sem pensar”, ou seja, geralmente o pensamento da pessoa não-filosófica, o homem ou a mulher “comuns”. Terceira revelação: as pessoas filosóficas são cheias de palavras e pensamentos; no homem filosófico, o instrumental das palavras vai muito em direção ao pensamento, à “reflexão” do verbal no espelho da mente (basicamente imaginação, raciocínio e julgamento); no homem não-filosófico, o instrumental das palavras dirige mais o sentido das ações de cada um, em seu cotidiano trabalhador, de pessoas adultas que fazem ou produzem coisas. Quarta revelação: o homem-filosófico pode ser considerado inferior, quanto à sua utilidade na sociedade, pelos outros; e o vice-versa também pode ocorrer. Quinta revelação: os quid-pro-quos oriundos das contendas sobre o significado das palavras tornam-se uma fonte maravilhosa para a produção de representações humorísticas que podem ser publicadas facilmente nos meios de comunicação acessíveis a quem quiser utilizá-los. Estamos numa cultura nacional e talvez global, de bastante ênfase ao uso dos mecanismos de representação, principalmente no suporte trans-humanista dessas maquinetas e sua gigantesca e inefável memória. O humor é considerado nessa cultura-nação, sob o ponto de vista antropológico ordinário, um estado bastante evoluído de inteligência do ser. Nossos grandes pensadores “de massa” têm sido os caras da “Porta dos Fundos” (nem vamos associar aqui, para não nos alongarmos, o significado da metáfora do nome desse programa de “youtube”) e mais uma gama enorme de humoristas, cuja arma humorística tem sido basicamente a palavra. Sexta revelação: pelo fato de muito quid-pro-quo de sucesso estar baseado em interpretações sobre as situações comunicativas capitaneadas pela palavra, chegamos à conclusão que a atenção direcionada à palavra leva à produção desses objetos estéticos cuja função é ilustrar nossa imaginação, sendo úteis, no entanto (fazendo sua parte), na circulação dos bens materiais que são usados para manter a nação abundantemente provida de elementos formais de sobrevivência (elementos coesos a todas as impressões dos sentidos), tais como computadores, telas, teclados, reprodutores de som e imagem, filmes, músicas, textos, livros, aparelhos e suportes de reprodução estética de toda espécie etc… Sétima revelação: Wittgenstein. Epílogo: As revelações subsequentes poderão ser recebidas por você e por todas as outras pessoas do mundo até o infinito dos tempos e a eternidade dos lugares. Foto: Walter Antunes #LuamaSocio #luama #filosofia #filosofiadalinguagem #Katawixi
- A Fita da Maçã
Eu era pequena, bem pequena mesmo, e estudava em uma das inúmeras escolinhas de fundo de quintal que minha mãe me colocou ao longo de todo meu curso primário. Mamãe tinha esse raro dom de descobri-las e algumas eram boas, outras nem tanto. Nessa, minha classe ficava onde seria originalmente a garagem da casa. Foi um tempo "puxado", frequentava diariamente duas dessas escolas. Acordava bem cedo e uma perua me levava a uma escola e me trazia de volta à hora do almoço. Almoçava correndo, trocava a camisa do uniforme por outra com outro escudo bordado no bolso e com a mesma saia plissada azul marinho ia agora em outra perua assistir minhas aulas na garagem sofrendo com o sono do começo da tarde. À noite, retornando, eu fazia as lições da escola matinal, as lições da escola vespertina, a da garagem, não entendia muito bem o motivo, parecia não serem necessariamente obrigatórias. Assim, aconteceu que no fim de umas férias surgiu uma aluna diferente. Eu estava começando a aprender os traços básicos para a escrita, a fazer retas e círculos equilibrados nas linhas do caderno, deduzo por isso que deveria ter entre 5 e 6 anos e, nessa época, fazer a ponta do lápis era a coisa mais emocionante do dia, prova individual de destreza, era mais importante que qualquer resposta certa que se desse à professora e uma enorme responsabilidade. Talvez por isso um lápis em nossas mãos raramente chegava à sua segunda semana: apontávamos furiosamente após qualquer uso. A recém-chegada não era hostil, estava sempre limpa e arrumada feito uma boneca de loja e me pareceu boba. Como ficou evidente que recebia um tratamento mais cuidadoso dos adultos que o resto de nós, além de boba, uma besta! Após as apresentações infantis foi posta ao lado e assim ficou. Tratada às vezes com hostilidade não reagia e isso acabou por protegê-la de hostilidades maiores. No recreio a faxineira a punha sentada ao lado e cumpriam juntas um ritual diário instituído em silêncio: uma maçã era descascada à faca e entregue à menina estranha que a esperava e comia da mesma forma. Nunca uma outra fruta. Duas coisas me causavam espécie, a maçã, fruta muito "fina" para ser comida todos os dias e o fato de só ser maçã. A inalterabilidade da fruta oferecida e o luxo presumível dava ao lanche uma função de rito. No mais do recreio a menina não acompanhava as brincadeiras nem as correrias, lembro que achei estranho, sabia que tinha algo de estranho, tive certeza e para confirmar perguntei. Os adultos sempre escolhem a mentira como a saída mais rápida: a menina não estava doente, não tinha nada errado com ela, era igual a todas nós. Desisti de perguntar e fui cuidar de minha vida sempre acompanhando pelo canto dos olhos a menina no pátio. Sem amigas ela apenas vagava um pouco e logo era chamada a sentar no tamborete da cozinha. Ficava lá encarapitada até o lento ritual da maçã se cumprir, o que coincidia com o fim do recreio. Tentei a princípio fazer com que ela participasse de alguma brincadeira e levei tempo para aceitar que embora os adultos dissessem que não havia nada estranho, ela era diferente. Levei um pouco mais de tempo que as outras meninas para aceitar isso, não sei se porque via a oportunidade de uma amizade, ou porque não quis supor que adultos pudessem enganar, cheguei enfim à conclusão indubitável: ela não era igual, ou era, mas não completamente. Depois disso, retomei ao meu treinamento diário de perguntas e respostas, de escrita, correrias e apontamento de lápis. Entre aulas e exercícios havia sempre o recreio e nele o ritual da maçã. A faxineira, com sua rara habilidade, descascava a fruta inteira em uma única tira de casca homogênea que chegava a arrastar no chão: a mesma espessura, a mesma largura. Tinha um secreto orgulho disso, igual ao que tínhamos em apontar um lápis. Aos poucos fui me aproximando das duas na cozinha e sem permissão para entrar, sentava nos degraus para assistir ao desenrolar diário da fita vermelha e perfumada. A mulher percebia minha admiração e caprichava nas demonstrações de sua perícia. A menina parecia aceitar esse nada entre as três: uma maçã, ou menos: a fita envernizada da casca da maçã. Não lembro quando o ritual se modificou, mas em algum momento fazíamos assim: a faxineira descascava a maçã com sua eterna e infinita paciência. Nós, as duas meninas, esperávamos, uma dentro da cozinha, outra fora. Depois do corte era dada a maçã sem a pele para a menina estranha e a casca para mim, que a comia muito compenetrada. Às vezes envergonhava comer o lixo da menina; a parte recusada da fruta era a minha parte nesse ritual que não parecia oferecer nenhuma revelação, mas dessa forma atingíamos, nós todas, uma harmonia nessa divisão aparentemente desequilibrada. Sabíamos o que esperávamos e o que faríamos, tínhamos fraternalmente nossa fatia no mundo, cada uma das três aceitando, sem nenhuma necessidade de compreender, a função de cada uma para com a maçã que se dividia e, nesse curto espaço do recreio, dividindo a maçã, estávamos unidas. Inês Monguilhott, ou Inês Pedrosa de Araújo Monguilhott, nasceu em 20 de Julho de 1958 no Recife, Pernambuco. Criada em João Pessoa, Paraíba, vive em São Paulo há mais de 25 anos: “Desenraizada, sinto que só pertenço à lembrança. Tenho um casal de filhos, uma neta e três livros - toda a minha fortuna”. Os livros de Inês Monguilhott fazem parte de uma trilogia finalmente completa: NATURAL, DE MIM e OUTROS. #InêsMonguilhott #literatura #literaturadoseculoXXI #contobrasileiro #Literaturabrasileira #Katawixi
- Mário de Andrade, a elegância, as igrejinhas e a salada paulista
Talvez pela multiplicação ou ampliação das facilidades de comunicação, os discursos que circulam sobre literatura, ou qualquer outro assunto propício a representação verbal, andam tremendamente brutos, partidários, belicosos, militantes ou terrivelmente autoritários, propagandistas. E Mário de Andrade, universal brasileiro em sua Língua, é taxado apenas de paulista. Assumir a identidade geográfica imposta pelas condições dos tempos não é nada mais do que simples consequência: aceita-se e exibe-se com orgulho a peculiaridade regional e, no caso de Mário, essa mesma identidade se faz viajante, espicaçada, maravilhosamente elegante em sua literatura e em qualquer coisa que ele faz ou escreve. Um monstro pode ser definido, à luz de Foucault, como algo fora da lista das classificações taxonômicas, ou como o que está para entrar nela, o que pode fazer pensar sobre… como é que algo sem classe pode ser elegante, já que a elegância é muitas vezes definida como algo “de classe”, “classudo”? E esse é o tipo de elegância do Mário de Andrade: inclassificável, porém paulista, mas muito brasileiro, como não? Leia o conto “O Ladrão”. Você pode pensar que aquilo poderia ser um filme, uma encenação teatral mas, isso é só a superfície mais imediata de impressões. Na verdade o texto não pode ser nada disso. É literatura mesmo. Um filme ou um teatro não seriam perfeitos para transmitir toda a miríade de ambiguidades emocionais das personagens envolvidas no quid pro quo do episódio da suspeita de haver um ladrão nas redondezas. E a elegância? Como seria expressa senão nessa possibilidade poética de concisão e precisa sonoridade das palavras durante a narrativa? A elegância de Mário faz da literatura uma universalidade, uma transcendência do cenário do cortiço em direção ao arco-íris de emoções supostamente deslocadas. “Nos corpos entrecortados, ainda estremunhando na angústia indecisa, estalou nítida, sangrenta, a consciência do crime horroroso”. Que maneira tão completa e tão concisa de descrever o momento em que se é acordado de supetão, no meio da noite, por conta da balbúrdia dos vizinhos correndo atrás de um ladrão! “Não perdeu tempo mais, disparou pela rua, porque lhe parecera ter divisado um vulto correndo na esquina de lá”. Mais uma vez: pura concisão elegante, pois não escreveu “esquina oposta” ou “não perdeu mais tempo”. O ritmo da escrita de Mário de Andrade é sua grande arte, como bem o demonstra sua principal obra, “Macunaíma”, inclusive em comprovados estudos e teses. E mesmo composto a partir da colagem de dois textos diferentes, o conto “O Ladrão” não descamba o ritmo: apenas perfaz uma gradação tonal. E Mário, autor, transborda sua carne e seu osso pelo Brasil. O Turista Aprendiz, maravilhoso em sua viagem estética pelas costas do país, adentra para o interior do mapa por entre vielas etnográficas que, no mais das vezes, faz a denúncia do autoritarismo tacanha dos donos do Brasil, os quais atacam e dizimam as riquezas culturais existentes nessa terra. A todo lugar que vai, Mário adquire objetos bonitos que vai despachando para sua casa, por correio. Em algum ponto desses escritos, fala da deselegância das pessoas do sexo feminino nativas de São Paulo. Mas não fala sem carinho. Caetano Veloso depois pega essa ideia e coloca num verso de Sampa, e as meninas paulistanas, até hoje, discretamente, continuam usando seus vestidos finos sobre grossas meias. O Brasil calorento é muito mais elegante. Em 1920, em São Paulo, o que hoje são panelas, eram então igrejinhas, ou seja, os partidarismos eram mais solenes e pré-antropofágicos então. Nessa São Paulo de “audácias e pasmaceiras… cada artista já se encastela em sua paróquia”, escreve Mário para a Civilização Brasileira. Ele, o inclassificável, portanto monstro elegantérrimo no seu ritmo de inevitável sarcasmo antropófago ainda diz: “nenhum sai da sua rua - a não ser que tenha o pouco apreciável desejo de ser devorado pelos iguais. Mas de longe todos se saúdam. Fazem-se cócegas mesmo, a perguntar numa gorda solicitude, em que ponto está o próximo quadro ou livro. Paira no meio um saboroso odor de hipocrisia. Que porém pessoa alguma o cheire com insistência e de mais perto: amarga com a vaidade alheia”. É claro que a elegância monstruosa de Mário não escapa de reação ao belo atrevimento em meio ao fervilhar das panelinhas intelectuais vanguardistas que coerentemente ridicularizam seus ingredientes. Mário de Andrade, historicamente e obviamente foi alvo de achincalhamento. A RA (Revista de Antropofagia), chamava Mário de Miss São Paulo, o que, apesar de todas as intenções sarcásticas e maldosas, expressa a incrível e indisfarçada elegância do monstro. Mário equilibra e transcende, através dos tempos, seus acertos e concertos extremamente ágeis (talvez como seus dedos ao piano) sobre justamente os traços identitários arraigados e cultivados nessa Cidade da Light, em que faz frio em plena primavera. Observe Mário parodiando Guilherme de Almeida (o Gui), com elegante ironia climática: “Mas, no meio de tanta efervescência, Pauliceia tiritou de frio. Depois do verão florido em que se escancarou na última quinzena de outubro, novamente se regelava com a abertura do mês da República. Pleno inverno. Tudo se embuçava no arminho cor de cinza das neblinas, como diria o querido Gui. Uma brisa assustada navalhou a epiderme das ruas e estremeceram no espaço grossas gotas de orvalho, onde uma luz desfeita e multicor era como que uma saudade do Sol”. Como não amar esse sabor de Mário de Andrade?! A salada paulista segue inalterada em sua receita, desde que foi publicada no Banquete: “Era uma salada norte-americana. Era uma salada fria, mas uma salada colossal, maior do mundo. (…) A salada não tinha cheiro nenhum, mas como era bonita e chamariz! Convencia pelo susto da vista, embora tivesse também muitas outras espécies de convicções. (…) Tinha mil cores, com mentira e tudo”. É triste adaptarem sempre o Banquete de Platão e não o Banquete do Mário. No caso do teatro do Zé Celso com certeza isso ocorre porque ali são partidários do Oswald de Andrade. Aliás esse partidarismo tão peculiarmente paulista… em sua deselegância… só é excedido pelos mineiros, os quais, segundo Otto Lara Resende a partir de Nelson Rodrigues, “só são solidários no câncer”. Apontando para fora dos limites paulistas e dos seus movimentos vanguardistas da primeira metade do Século XX, um folheto de apresentação sobre uma exposição dedicada à Mário de Andrade traz as seguintes palavras informativas sobre essa personalidade maravilhosa: “Mais ativo idealizador do modernismo pátrio, da busca pelo nativismo, da procura pelas grandezas ocultas do país, Mário de Andrade destaca-se entre os intelectuais brasileiros pela amplitude de seus interesses e atuação. Sua dedicação ao reconhecimento e construção da identidade nacional fizeram-se por inúmeros meios: professor de música, poeta e prosador, crítico de arte, pesquisador, jornalista, fotógrafo, missivista e etnógrafo”. Foto: Walter Antunes ANDRADE, Mário de. De São Paulo: Cinco crônicas de Mário de Andrade, 1920-1921. Organização, Introdução e Notas de Telê Ancona Lopez. São Paulo: Sesc/Senac, 2003. ANDRADE, Mário de. Melhores contos. Organização, Introdução e Notas de Telê Ancona Lopez. São Paulo: Global, 2003. BOAVENTURA, Maria Eugênia. A Vanguarda Antropofágica. São Paulo: Ática, 1985. Mário de Andrade: Etnógrafo, fotógrafo, poeta. Folheto explicativo de instalação na Caixa Cultural São Paulo. Março a Maio de 2013. #LuamaSocio #luama #MáriodeAndrade #Mariaeugeniaboaventura #modernismo #vanguarda #antropofagia #Literatura #eleanconalopez #culturabrasileira #Katawixi
- “A Intrusa” e a tragicidade do “eu” no transcurso literário
Maestria, leveza e inteligência são qualidades difíceis de serem encontradas numa obra literária, mas são esses traços que compõem as definitivas impressões formadas pela leitura de “A Intrusa”, de Izabela Leal, esse livro que traz no seu núcleo a inevitável reflexão sobre o paradoxo trágico da concomitante frivolidade e centralidade do “eu” como existência literária e, evidentemente, fazendo disso metáfora da vida plena, incluindo aí o exercimento da escrita como atividade vital. A metalinguagem quase sempre faz da literatura uma leitura instigante, assim como as evocações de estruturas arcaicas, clássicas ou tradicionais. A autora de “A Intrusa” lança mão dessas técnicas, porém sem afetação, numa escrita natural e agradável de ser assimilada. Estruturado sob datas de um diário e cenas de um teatro, sendo cada uma dessas estruturas relacionadas às duas personagens principais da história, o texto relaciona a própria metalinguagem ao fecundo fenômeno psicológico da percepção do “duplo”, imputado tradicionalmente ao desafio à pretensa unicidade da existência individual do “eu”. Trata-se do desenvolvimento do tema do espelho psicológico estilhaçado em faces refletindo discursos, simbolizado pelo dualismo “o eu e o outro”. Desenvolve-se o mote da reunificação a partir da realidade esquizofrênica, também típica dos anseios estéticos do momento (se é que existe algo assim na realidade). “A Intrusa” trata também da coerção do discurso como inerência da natureza da linguagem, essa lei que aprisiona e ao mesmo tempo instrumentaliza uma talvez-liberdade (quiçá errância) existencial. Isso pode ser concluído pelas palavras do coro: “a literatura está repleta de decisões absolutórias proferidas em casos em que o réu havia confessado…” (p.12). Estilisticamente, a escritora não gosta das maiúsculas iniciando as frases, porém não dispensa os pontos finais. No que se conclui que há fins, mas não necessariamente começos: apenas redes de rupturas como procedimento técnico nesse nível. Há um eu: o que escreve; há um ela: sobre quem se escreve; há outros de entremeio. O discurso pode aparecer como o esforço de uma voz querendo se estruturar em pessoas: “suspeito de tudo principalmente dela.(…) aprendi com ela. (…) conheci vários tipos de gente, certa vez encontrei um sujeito que falava na primeira pessoa do plural. (…) era um cara esquisito” (p.13). O cotidiano prosaico do mundo feminino, com suas corriqueiras interações, feito de mil pequenas bagatelas, recheia de concretudes poéticas o conteúdo psicológico/temático da superfície da personagem “eu”, como por exemplo: “preciso voltar a caminhar na praça. (…) ultimamente a boca anda seca. dor de garganta. a vizinha receitou um gargarejo” (p. 15). As duas personagens principais, “eu” e “ela” se refletem e se transbordam sobre e sob as concretudes poéticas, ora espaciais (Cena 4), ora temporais (Cena 5). Encontros, fugas e a evocação da loucura constituem sub-temas sobrepostos ao espaço-tempo. E ao longo do discurso, a textura do prosaico reaparece indefinidamente através das coisas da cozinha, da televisão, enfim, objetos do cotidiano banal, que forjam o jogo poético de dissimulação da tragicidade da primeira parte do livro ao final de dez cenas: “é possível um testamento sem defunto ?”. Segue-se o transbordar da experiência do “duplo” pelo reino da lembrança lúcida da mulher por entre essas banalidades inevitáveis, porém logo tudo volta ao “zero”, ao começo da mesma relação problemática entre “eu” e “ela”, mas a volta se faz numa variação de tom na espiral discursiva a ponto de, na Cena 16, constar: “um dia ela me perguntou o que eu faria se ela desaparecesse”. Seguem-se receitas de comida e coros trágicos. A personagem “eu” é como que pintada insistentemente com algumas variações de cores, mas sempre com tons similares entre si e delineando invariavelmente os mesmos traços, ainda que justamente as características desses traços sejam de natureza fugidia e desconcentrada e que, enfim, acabem expressando contornos por conta da insistência da repetição dos caminhos de suas formas. Em certo momento Izabela Leal parece mostrar que alguma mulher, esse “eu”, é a figuração daquela que já apareceu em Clarice Lispector. Citação evidente: “medos de conviver numa cidade sitiada” (p. 41). Trata-se também, talvez, de uma homenagem à mestra, essa “outra”; quem sabe entre outras ou outros, sempre os mesmos. Embora no início a voz que conduz o discurso declare que o livro não se trata de um diário, de repente acontece exatamente esse diário, e isso mais fortemente na cenas a partir do número 20. Tal forma desemboca na pergunta sobre as vozes: “que importa quem fala?” (p. 50). Talvez disso decorra a amargurada admissão da “frivolidade”, da “banalidade” do transcurso desse “eu”, que apesar de tudo se faz centro e sentido do drama-trama: a falsa modéstia concomitante à consciência da nulidade; a essência do “duplo” forjada em traços psicológicos indesejáveis existencialmente e desejáveis esteticamente. Por fim o “eu” deveria assumir sua vocação para a materialidade ou sensualidade, mas se faz isso, se desconcentra de sua fugacidade peculiar: “há queimaduras cicatrizes. ela passava dos limites. eu nunca consegui dizer não” (p. 63). Assim, a centralidade do “eu”, efetiva e impossível ao mesmo tempo, se conclui como no começo: trata-se de loucura: “há histórias de loucura nas mulheres da minha família. (…) e não gostei do meu papel. sempre quis algo mais elevado.” O livro “A Intrusa”, de Izabela Leal, foi ganhador do Primeiro Lugar no Prêmio Rio de Literatura 2016, é editado pela Garamond, e está à venda nas melhores livrarias. #Literatura #LuamaSocio #IzabelaLeal #Katawixi #aintrusa
- O dilema do Professor: entre o Sistema e o Aluno
A angústia sentida pelo Professor que se vê num dilema entre escolher uma conduta que contemple o Sistema ou uma conduta dirigida às necessidades do Aluno é um daqueles lugares-comuns da profissão de ensinar em escolas. E esses “lugares-comuns” devem urgentemente ser encarados de frente. E devem ainda, ser como que “desembaraçados” por entre o embaralhamento de conceitos confusos e sentimentos de frustração que geralmente estão misturados na Alma do Professor. Assim talvez, ao final de um esforço de desembaraço, o dilema se revele uma falsa questão. A causa do dilema está no fato de que o Professor se vê distanciado, enquanto indivíduo, tanto da “filosofia” do Sistema quanto da cultura de seu Aluno. Ele se vê como alguém à parte, diferente de um e de outro. Mas se, na realidade, na história desse momento, esse Professor está atuando, ele obviamente não está à parte de nada. É preciso resgatar então essa espécie de autoconsciência que permite à pessoa lembrar de si e do que significa seu posicionamento profissional diante do grupo de trabalho presentemente. É comum esquecermo-nos do papel profissional que nos impusemos. Mas este é o mundo dos adultos, o que quer dizer que fomos nós que escolhemos nossa profissão, seja por opção ou por falta de opção. Junto com esse primeiro esquecimento, também esquecemo-nos das relações do nosso papel com os outros papéis, das outras pessoas, implicadas na nossa posição no contexto. Nos esquecemos do nosso papel porque o dia-a-dia profissional não é fácil. Lida-se com pessoas, e isso significa principalmente vivenciar durante o tempo todo uma série de impactos e trocas emocionais desgastantes até que, por fim, ao nos desdobrarmos energicamente, colocando a nossa vida nessa profissão, perdemo-nos por entre esses impactos e trocas, sobrando-nos frequentemente um resíduo de angústia que se racionaliza pelo dilema: entre o Sistema e o Aluno. Se quiser “sair dessa”, o Professor encara o óbvio, assumindo o Aluno e, junto com ele, o Sistema, ou muda de Sistema, de Aluno, ou até mesmo de profissão. Encarar o óbvio pelo lado do Sistema passa por autoconhecimento e responsabilidade. Encarar o óbvio pelo lado do Aluno passa pela presentificação da percepção de que o Aluno é o centro do processo de aprendizagem e que o afeto é o suporte desse processo. Essas obviedades assim o são porque são pressupostas pela “realidade” teórica e prática do contexto escolar. Com ou sem consciência plena dessa realidade, o Professor é o adulto responsável pelo ensino e o Aluno é a causa do ser-Professor. Fazer parte do Sistema com consciência, isto é, com autoconhecimento, implica o exercimento da sinceridade e da vontade. No desenvolvimento dessas qualidades surge a “responsabilidade”, a qual implica seriedade, participação e crítica. A propósito da questão do autoconhecimento transcrevo um trecho de um livro altamente recomendável para todos que trabalham em grupo: “O caminho da habilidade”, de Tarthang Tulku: “A auto-imagem é especialmente enganadora porque pode nos tornar cegos para as nossas fraquezas e deficiências. Se reconhecêcemos essas características, poderíamos iniciar um processo de mudança, mas, quando lançamos mão da auto-imagem para disfarçá-las, obstruímos o nosso crescimento. Nós utilizamos a auto-imagem para evitar olhar para nós mesmos com honestidade, e deste modo criamos uma imagem própria cheia de orgulho (…). Como podemos passar além das limitações da auto-imagem e conseguir nos conhecer de um modo mais verdadeiro? Podemos começar olhando com atenção para quem pensamos que somos”. Ainda sob o ponto de vista do Sistema, seja no contexto da escola estatal, da escola religiosa, militar, ou particular, o Professor “deve” subsidiar a gestão escolar, que é a concretização do Sistema, incluindo e indo além da sala de aula, engajando-se responsavelmente, seriamente, criticamente, no projeto educativo institucional, que aparecerá como obra do coletivo. Porém é simples observar que esse “dever” é frequentemente sabotado. E motivos para isso não faltam. Todos esses motivos estão enraizados na inerente sensação de frustração diante do desafio de “ensinar”, a qual é refletida no projeto coletivo como o negativo sub-reptício às propostas teóricas dos planejamentos e planos de ensino. Pois ao longo de sua trajetória, por conta do desgaste emocional, o Professor vai perdendo de vista a inerência da impossibilidade do sucesso quantitativo absoluto do resultado de tal desafio que caracteriza a profissão. Obviamente também as condições impostas pelo Sistema são corriqueiramente e altamente frustrantes, como por exemplo, salas de aula com mais de 25 alunos, falta de material pedagógico, alunos agressivos, baixos salários. Isso realmente é corriqueiro e são, entre outros, considerados pontos causadores de frustração. Porém, pessoalmente, o Professor, como parte do Sistema, é mais e é menos que o Sistema. Ele deverá se engajar conscientemente na posição de influenciar a gestão para modificar esse estado de coisas e, ao mesmo tempo, fará o melhor que puder com seus alunos, realisticamente. Citando mais uma vez Tarthang Tulku: “Quando estamos verdadeiramente cientes da nossa pessoa, sabemos onde nos encontramos, sabemos quem nós somos. Temos disposição para aceitar tanto as nossas realizações como as nossas falhas e as lições que elas podem nos ensinar. Reconhecemos, em todas as experiências, o potencial que existe para enriquecer as nossas vidas, e fazemos uso de tudo o que acontece para crescer e nos desenvolver por meios mais saudáveis”. Ser Professor não é como ser um Operário, Engenheiro ou Vendedor. Não existem resultados perfeitamente finalizados que possam ser avaliados como tais. Frequentemente um Aluno difícil que achávamos que não “aprendia”, mostra-se mais tarde grato por nossa paciência com sua indisciplina e aparece-nos como um adulto realizado. Por outro lado, aquele Aluno que julgávamos o melhor da sala talvez nem se lembre de nós, pois nesse caso talvez não fôssemos tão determinantes em sua história. Na visão do Aluno, o Professor é o próprio Sistema ou, mais ainda, é o representante do “ser adulto” como um todo. E frequentemente - lembrando aqui a fala de um professor de uma escola Waldorf - o Aluno vê o Professor como uma pessoa bem melhor do que ele realmente é. Assim, tendo ou não consciência deste fato, o Professor é sempre um “exemplo” para o Aluno. Essa exemplaridade se forma invariavelmente pela via afetiva, daí toda a importância de não se perder de vista o “cuidar” do Professor em relação ao Aluno. Sinais desse “perder de vista” estão, por exemplo, naquelas situações em que é muito comum o Professor referir-se amargamente, no seu discurso junto aos colegas de profissão, ao “não saber”, dos alunos, à “ignorância” dos jovens. Discurso que delineia bem a situação de alienação do Professor frente à própria natureza da sua profissão e que, a despeito desse delineamento, este não é percebido como tal, mas sim apenas como uma situação subjetiva de desabafo por conta do stress profissional. Esse é um dentre os muitos sinais dessa alienação, que são fartamente produzidos e assimilados como aspectos “naturais” do contexto escolar. Mas já é hora desses sinais não passarem mais despercebidos. Façamos algo com eles, aprendendo com eles, transmudando-os em sinais de compromisso, honestidade e alegria. Sobre a seriedade na ação de ensinar, cito uma passagem de Celso Antunes em seu livro “Inteligências Múltiplas”: “Se você acha que não pode ensinar uma criança, você está absolutamente certo. Mas se você acha que você pode, construam obstáculos, ergam paredes, abram fossas no seu caminho, que você educará. E há inúmeros experimentos de campo que comprovam essa afirmação.” Para alcançarmos a realização educativa precisamos concomitantemente cuidar de nós mesmos. Isso passa pela dimensão pessoal, em que cada um procurará os meios que lhe convém, mas passa também pela aceitação e participação da dimensão coletiva do Sistema, que frequentemente proporciona diretrizes de naturezas técnica, crítica ou reflexiva, que podem ser encaradas como instrumentos válidos e utilizadas efetivamente como ferramentas de facilitação no processo ensino-aprendizagem. Quanto à base educativa, muito se diz do “cuidado”, do “afeto”, do “amor”, inerentemente necessário como suporte da ação ensino-aprendizagem. Não nos percamos mais nas teorias. Coloquemos mãos à obra. Daremos atenção real ao nosso Aluno. O que falarmos é o que faremos. Respeitaremos o nosso Aluno e o que ensinarmos a ele. Procuraremos despertar o interesse e o amor dos alunos por aquilo que queremos compartilhar com eles. Nossas ações serão concretas e objetivas. Para finalizarmos, citamos palavras de Krishnamurti publicadas no livro “A educação e o significado da vida”: “Mas como podemos ter amor? Podemos tê-lo, não pelo cultivo do ideal do amor, e sim quando não há ódio, quando não há avidez, quando a consciência do eu, causa de todo antagonismo, se extingue. (…) Sem uma transformação do coração, sem boa vontade, sem a mudança interior, oriunda do autopercebimento, não haverá paz nem felicidade para os homens”. À essa altura, talvez o dilema do título tenha se dissolvido. A partir do momento em que se percebe que Aluno, Professor e Sistema formam um todo, não há necessidade de se desembaraçar nada, pois o antagonismo entre Sistema e Aluno talvez seja uma falsa questão. TULKU, Tarthang. “O caminho da habilidade - Formas suaves para um trabalho bem-sucedido”. Cultrix, São Paulo, 1997. ANTUNES, Celso. “Inteligências Múltiplas”. Salesiana, São Paulo, 2003. KRISHNAMURTI, J. “A educação e o significado da vida”. Cultrix, São Paulo, 1976. #Katawixi #TarthangTulku #Krishnamurti #Escola #Professor #Aluno #LuamaSocio #Educação #WalterAntunes
- Andara: viagem à morada do ser
Espírito Peráclito, tu que és o único pássaro Que desce sobre mim na [minha noite untuosa, Fura meus olhos para que eu veja mais, Para que eu penetre a unidade que tu és, A liberdade que tu és, A multiplicidade que tu és, Para eu subir de minha pequenez e me abater em ti (Jorge de Lima in: Espírito Peráclito) Se tem um tema caro à história da literatura - entre tantos que a movem - este é o tropo da viagem, palavra cujo significado segundo o vernáculo, é “ato de ir de um a outro lugar mais ou menos afastados”, começa a ser explorada poeticamente desde a fundação do ocidente, quando Homero, junto a sua Odisséia, começou a levantar o alicerce desse “templo” que é a literatura ocidental, assim anota os documentos da história. É importante frisar que o termo Viagem vai ser explorado aqui no sentido de Travessia, que por sua vez se aproxima do termo alemão Bildung. Então temos na figura de Odisseu – o herói mor da antiguidade clássica rebatizado de Ulisses pelas línguas latinas - a imagem do desbravador, daquele que abre os caminhos da jornada. Ulisses constitui aquilo que alguns crítico contemporâneos definiriam como um “discurso” da civilização ocidental; para os historiadores, um “imaginário” de longa duração – em outros termos, um arquétipo mítico que se desenvolve na história e na literatura como um constante logos cultural (BOITANI, 2005, p. XIV). Assim, qualquer título poético que traga a palavra Viagem nos remete – apesar da distância – à aventura originária de Odisseu, a aprendizagem através do mito da poesia, afinal, Ulisses era o paradigma, o exemplo de inteligência e beleza a ser seguido. O herói fundador, voltando para casa depois da guerra, está jogado no mundo e precisa superar as adversidades da jornada com perspicácia e ética. Andara, diferentemente dos gregos que tinha como verdade a invenção do mito e a poesia moderna a muito se afastara dessa verdade, traz essa característica da reflexão por meio da jornada, porém, o faz através de um projeto estético, através da poesia. “Esta viagem a Andara. E onde mais? Na vida. Andara é perto e longe. Andara está dentro de ti. E fora. E dentro de mim. Diz a voz” (CECIM, 1988). A cidade palavra de Vicente Franz Cecim, torna-se o mar a ser navegado, a floresta ressignificada através da viagem originária de Ulisses, esse signo tomado como referência ao longo da história literária: Se Ulisses atravessa as épocas, deve isso ao fato de ser, desde os primórdios, um signo – em âmbito cultural, o signo de uma inteira episteme [...] Cada cultura está livre para interpretá-lo como tal no âmbito de seu próprio sistema de signos, atribuindo-lhe uma dupla valência, ora baseada nas características míticas do personagem, ora nos ideais, nas questões, nos horizontes filosóficos, éticos e políticos daquela civilização (BOITANI, 2005). Lembremo-nos da jornada do vate de Florença pelos arcos do inferno, do Quixote de Cervantes cavalgando pelas paragens da loucura, de Leopold Bloom percorrendo as ruas de Dublin, para nos situarmos, da travessia de Riobaldo pelas veredas do sertão, ou do mar de palavras Galáxia de Haroldo de Campos, assim por diante. Então podemos dizer que a viagem à andara nada mais é do que uma referência à aventura desse navegador primevo, e seus personagens que estão em constante estado de sono, ou seja, numa viagem pelo inconsciente como diriam os surrealistas, são os muitos Ulisses espalhados pela floresta, ressignificados pelo contexto mitológico amazônico. A viagem, aqui, acontece na floresta de palavras, na Amazônia transformada em verbo. Andara é o mundo, isto está claro em todo o projeto dos livros visíveis de Andara como mostra a citação acima: “E onde mais? Na vida...”, e nós - assim como Ulisses – estamos jogados no mundo, e consequentemente precisamos nos conhecer, nos colocarmos à procura da verdade, e isso só pode se dar através da leitura desse mundo o qual o destino nos confiou, ou seja, por meio da leitura dos livros visíveis de Andara. Andara: viagem à morada do ser, como diz o título desde ensaio, é o que propõe o projeto como procura, portanto, a travessia pelos livros visíveis de Andara, a leitura das histórias, dos arcos narrativos que se proliferam e atravessam a floresta Santa Maria do Grão. “Tu escreves um livro com tinta invisível. Por que fazes isso?” A sentença acima aparece nas primeiras capas dos livros de Andara. Sempre abaixo do subtítulo “O livro invisível” de Viagem a Andara, e se dirigindo ao leitor, prova o que estamos falando: que Andara o tempo todo nos remete ao livro, à leitura e a escrita. Numa rápida leitura nos leva a crer no percurso que cada um faz desde o nascimento até a morte, a própria existência, e que fica registrado apenas na memória de alguns, enquanto vivos, e não deixa de ser isso, mas se tratando de literatura (e literatura fantasma como Cecim classifica os livros de Andara, aquela que morre e retorna ressignificada) e por conseguinte obra de arte, temos de fazer algumas considerações. Primeiro: livro, leitura e escrita no projeto, estão ligados à palavra viagem (travessia), se colocar na procura através do ato de leitura como deixamos entender até aqui. Segundo: o livro como obra – assim como o projeto Andara - é um processo inacabado – como avisa Blanchot: “o escritor nunca sabe que a obra está realizada. O que ele terminou num livro recomeçá-lo-á ou destrui-lo-á num outro.” Ou seja, Andara renasce a cada leitura, sob um novo olhar, olhar daquele que a lê no momento, e que escreve “o livro com tinta invisível”. Mas a poesia – assim como o mito – nasce de um estupor diante do magnífico e misterioso mundo como bem aponta Boitani “A visão da maravilha que acabo de delinear inspira cada uma das páginas que seguem: o estupor permeia tanto os versos de Homero como aqueles de Tarsso e Leopardi, tanto os diários de Colombo e os de Darwin como os romances de Conrad.” Cada época corresponde, à sua maneira, a esse estupor e, Ó Serdespanto (2006) personagem e livro de Cecim é a personificação em Andara desse estupor, o próprio homem, que ao vir à luz espanta-se com a grandeza e o mistério da vida – ser de espanto, e jogado na floresta (o mundo) se coloca à procura do que constitui tal mistério: A vida. E, nela, alguém que escreve [...] Sentimento de medo agora mesmo, ao escrever isto: tentar abrir, dobra a dobra, insistindo, para ver o que ela é, a vida. Registrado pelo observador de Si, sentindo-se. Vida ama ocultar-se, disse Heráclito (CECIM, 2006, p. 9 – 10) A procura se dá pelo processo da escrita, e a voz desse serdespanto sente medo de não ter acesso ao mistério da vida porque as coisas se ocultam na sua essência “vida ama ocultar-se, diz Heráclito”. O ato da escrita como procura e descoberta remete à leitura, e é aí que queremos chegar. O ato e o exercício da leitura como aventura – travessia – assim como a escrita, só pode levar ao conhecimento, a uma compreensão do mundo e consequentemente da existência. A obra, neste caso os livros, produto do ser, e justamente por nascer no âmago do ser, sob a égide do aniquilamento do eu, repercute no outro: É nesse ponto que deve ser observado com sensibilidade a duplicidade fenomenológica das ressonâncias e da repercussão. As ressonâncias se dispersam nos diferentes planos da nossa vida no mundo, a repercussão nos chama a um aprofundamento de nossa própria existência [...] Dito de maneira mais simples, trata-se de uma impressão bem conhecida por todo leitor apaixonado por poemas: o poema nos prende por completo. Essa tomada do ser pela poesia tem uma marca fenomenológica que não engana. A exuberância e a profundidade de um poema são sempre fenômenos da dupla: ressonância-repercussão. Parece que, por sua exuberância, o poema desperta profundezas em nós (BACHELARD, Gaston, 1978, p. 187). Essa ressonância e repercussão de que fala Bachelard é o impacto da obra sobre o indivíduo. Ninguém sai ileso depois de confrontar-se com uma obra de arte – é até clichê falar isso – e se o faço, é justamente para explicar o que propõe os livros de Andara, levar à experiência da descoberta através da leitura, experiência única, porém essencial, que nos leva não só ao sublime, ao belo, mas também aos fantasmas, nossos temores, através de alguma lembrança por exemplo, que a obra suscite na alma. Aí estaria a essência da leitura e da produção de poesia já que os dois processos estão intrincados na obra de Cecim como descoberta do mundo. É isso. Este é o começo de uma fábula que avançará por entre grandes fendas e períodos de silêncio como só se ouve na ausência humana, a floresta às vezes contorcida, contorcido o silêncio às vezes rompido não por essas vozes tão baixas essas vozes, murmuradas: e sim por gritos que vem de longe na noite, ou é bem perto É mesmo em nós (CECIM, 1994, p. 87 – 88). Neste trecho temos palavras como silêncio, fendas, ausência, que nos remetem ao espaço poético, à reflexão, a ausência como recolhimento, descoberta. É preciso escutar às vozes que habitam em nós, que falam do fundo da alma. Isso é a experiência do silêncio da obra, que pode se dar tanto na produção como na leitura desta: “A obra é solitária: isso não significa que ela seja incomunicável; que lhe falte leitor. Mas quem a lê entra nessa afirmação da solidão da obra, tal como aquele que a escreve pertence ao risco dessa solidão.” (BLANCHOT, 2011). E para ser obra é preciso haver esse fenômeno ressonância e repercussão entre livro e leitor, onde no âmago desse que se depara com a obra aconteça algo que o desestabilize e o jogue no aberto da possibilidade. Continuamos com Blanchot: O escritor escreve um livro mas o livro ainda não é obra, a obra só é obra quando através dela se pronuncia, na violência de um começo que lhe é próprio, a palavra ser, evento que se concretiza quando a obra é a intimidade de alguém que a escreve e de alguém que a lê (BLANCHOT, 2011, p. 13). E Andara quer ser obra – e já o é – não só porque remete o leitor à solidão, a ausência, ao silêncio, mas por estar livre de significações predeterminadas o que possibilita uma liberdade total capaz de engendrar múltiplas significações e novidade a cada nova leitura. Viagem à andara é a viagem à morada do ser, da descoberta da essência que constitui cada um. O homem, como ente, está jogado no mundo portanto é preciso corresponder a seu tempo “Jogado em um mundo, o ser-aí encontra a partir de sua própria dinâmica compreensiva aquilo em virtude de que ele pode realizar o poder-ser que é...” (CASANOVA, 2009). Existir acaba sendo um leque de possibilidades, mas para uma existência plena é preciso estar consigo mesmo em sua totalidade, em sua morada, é o que diz Heidegger: Não apenas estar em casa aqui e acolá, também não apenas estar em casa em qualquer lugar [...] estar por toda parte em casa significa muito mais: estar em casa a qualquer momento, e, sobretudo na totalidade. Nós denominamos mundo este na totalidade e sua integralidade. Nós somos, e porque somos, esperamos sempre por algo. Sempre somos chamados por algo como um todo [...] A filosofia, a metafísica, é uma saudade da pátria, um impulso para se estar por toda parte em casa, uma exigência; não uma exigência cega e sem direção, mas uma que desperta em nós o sentido para essas questões e para a sua unidade... (HEIDEGGER, 2015, p. 07 – 08). Não cabe aqui, e nem é intenção desse trabalho, debruçar-se sobre o conceito e a estrutura do ser - da metafísica em si – devido à densidade da questão que ocupou boa parte da história do pensamento filosófico desde de Aristóteles a Martin Heidegger. Mas apenas mostrar que os livros visíveis de Andara apontam nessa direção: o leitor deve se colocar no aberto da obra para encontrar sua unidade, encontrar seu “Umanoh” como diz o próprio Vicente Cecim. Assim o fazendo, colocando-se na procura, na busca de sua unidade, estará correspondendo à altura o seu tempo. E isso se dá através da obra, ou seja, por meio e através da linguagem poética, especificamente aqui, por meio dos livros visíveis de Andara, que se multiplicam e se desdobram em arcos narrativos envolta do próprio eixo: A viagem a Andara, projeto literário moderno de Vicente Franz Cecim. CECIM, Vicente Franz. Silencioso como o Paraiso, Ed. Iluminuras - São Paulo, 1994. ___________________. Ó Serdespanto, Ed. Bertrand Brasil - Rio de Janeiro, 2006. BOITANI, Piero. A Sombra de Ulisses, Ed. Perspectiva – São Paulo, 2005. BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário, Ed. Rocco – Rio de Janeiro, 2011. HEIDEGGER, Martin. Conceitos Fundamentais da Matafísica, Ed. Florense Universitária – Rio de Janeiro, 2015. LEAL, Izabela. ALEA, Estudos Neolatinos in: O Canto das Sereias e a Embriaguez do Tradutor. Ed. 7 Letras, RJ – 2012. #Andaraviagemàmoradadoser #VicenteFranzCecim #Literatura #Katawixi
- SAPERE AUDE - DOSSIÊ: MICHEL FOUCAULT
AS PALAVRAS E AS COISAS: UMA HISTÓRIA DO PENSAMENTO QUE NOS AJUDA A ENTENDER A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO DO SUJEITO NA FILOSOFIA MODERNA Texto de Luama Socio LINK: http://periodicos.pucminas.br/index.php/SapereAude/article/view/12095 #katawi #LuamaSocio #SapereAude #Puc #PucMinas #DOSSIÊMICHELFOUCAULT #MICHELFOUCAULT
- Wanderley Codo e as polêmicas da corpolatria 30 anos depois
Há 30 anos o psicólogo social Wanderley Codo, em co-autoria com o também psicólogo e educador Wilson A. Senne, publicou “O que é corpolatria”, pela famosa coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense. Ao longo das três últimas décadas as questões do corpo, na nossa cultura, parecem ter se tornado cada vez mais relevantes, o que faz com que o texto do pequeno livro continue a ser interessante ainda hoje. Assim, tive vontade de saber sobre a visão atual de Wanderley Codo a respeito de vários temas suscitados pelo livro de 30 anos atrás, obviamente sob a perspectiva do momento atual, e propus a ele 10 questões, as quais ele me respondeu com muito bom humor e sabedoria. A título de introdução, ele me explicou que o texto “O que é corpolatria” foi escrito a pedido de Caio Graco (o famoso editor da Brasiliense, falecido em 1992) para gerar polêmica: “A ideia inicial era para a coleção Segundos Passos, que teve dois ou três livros, a coleção faliu e eu e o Caio resolvemos publicá-lo em Primeiro Passos. Ele queria ‘O que é corpo’, eu advoguei ‘O que é corpolatria’. Portanto falta a este texto o rigor que, por exemplo, você pode ver em ‘O que é alienação’ (outro famoso livro de Wanderley Codo publicado pela coleção Primeiros Passos), pois foi feito com o objetivo da polêmica”. Após este esclarecimento inicial, partimos às questões: No final do livro está escrito: “se a alienação inventou o espelho, é a militância organizada que poderá quebrá-lo”. Posto isso, você acha que a “corpolatria” pode ser considerada implícita no escopo dos movimentos LGBT e feministas, nesse momento em que, mais do que nunca, o próprio corpo passou a ser nitidamente uma “bandeira”, a despeito do caráter político desses movimentos? Nem tudo que elege o corpo como bandeira é alienação, o movimento feminista lutou contra uma opressão real da mulher que se exercia principalmente através do corpo. O corpo da mulher não lhe pertencia. Esta revolução e a revolução LGBT foram as revoluções bem sucedidas, ganharam. Claro que ainda existem sinais daquela opressão pré-60, mas hoje pode-se dizer sem medo de ser feliz que a mulher é dona do próprio corpo e os gays tem direito à existência. Movimentos organizados contra o racismo, por exemplo, não tiveram a mesma sorte. Uma das revoluções mais belas do final do século XX e início do século XXI, ainda em curso, literalmente o movimento feminista, aportou à cena mundial a presença da mulher, invisível antes dela. Claro que o movimento feminista, como soe acontecer, também foi vítima da alienação. Um dos pontos mais graves foi o de demonizar o trabalho do cuidado, considerá-lo opressivo, e reivindicar com toda a força o direito à alienação, o seu trabalho na fábrica e nos escritórios como apenas o homem fazia. O cuidado é belo, é um dos trabalhos menos alienados e alienáveis, é trabalho no sentido real do termo, a arte de mudar o mundo à sua imagem e semelhança, e muda o mundo no que o mundo tem de mais belo, a criação de um ser humano. O resultado desta luta foi a mulher entregar o papel de cuidado para outras mulheres, nas creches, ou com a babá em casa, ou com a vovó. Vis a vis o mesmo ocorre com o movimento LGBT, outra vez uma revolução vitoriosa. Descriminalizaram o homossexualismo, puderam viver seus desejos e seu próprio corpo, outra vez um movimento contra a repressão e a alienação, e não corpolatria. Outra vez um ou outro erro, que o transforma em vítima da alienação que combate. Por exemplo, a parada do orgulho gay, estratégia brilhante e bem sucedida de luta contra o preconceito, transformou-se em uma forma de objetivação da sexualidade, ela que é o grande reduto de nossa subjetividade. A minha sexualidade se distancia de mim mesmo, e passa a ser uma ação objetiva e objetivada quando se torna bandeira de luta. Era inevitável. Inevitáveis tanto o recurso da parada quanto a consequência da reificação. E já que falei sobre essa questão dos “movimentos”, que explicação você daria para o surgimento dessa nova fase dos movimentos feministas? Não sei ao que você se refere com ‘nova fase dos movimentos feministas’, me conte e eu respondo. O tópico “velocidade do nosso tempo”, embora não tratado especificamente no texto de 1986, aparece como sintoma de uma das faces da “alienação capitalista”, quando se fala dos modismos efêmeros das atividades físicas disponíveis no mercado. Você teria uma explicação mais detalhada sobre as bases da sensação dessa velocidade, com elementos da fundamentação marxista? A velocidade de nosso tempo não é apenas um fenômeno ligado à alienação capitalista, é muito mais um fenômeno que decorre dos avanços tecnológicos e principalmente na comunicação via informática. Hoje vivemos em uma sociedade do autor, qualquer um de nós publica e pode ser lido pelo planeta em minutos. Claro, o número de tolices cresce na mesma proporção em que aumenta o número de autores. Não é uma sensação, a velocidade é real. Confesso que por vezes tenho dúvida, estaríamos ainda vivendo no capitalismo? Esta velocidade e o mundo pós-internet propiciam, por exemplo, amiúde, uma economia sem moeda, sem lucro, portanto sem exploração do trabalho alheio, pedras fundamentais na construção do sistema capitalista. Ainda escrevo sobre isto, assim que entender o que está acontecendo. Até agora não entendo bulhufas. De um modo geral, parece que o esforço das terapias psicológicas convergem para o objetivo de conduzir o paciente, ou o aluno, à percepção e identificação de um grau considerado minimamente necessário, de totalidade existencial, posto que se admite, na doença psicológica, a ocorrência de inúmeras forças desagregadas que parecem constituir a pessoa. Em que medida é possível uma saúde psicológica, ao mesmo tempo em que o contexto social é de fragmentação extrema? Antes o indivíduo frequentava a terapia por ter paranoia, ‘um jacaré embaixo da cama’, ou depressão, ‘ninguém me ama ninguém me quer’. Hoje vai com uma única pergunta, ‘quem sou eu?’ A crise é uma crise de identidade, o espanto de Mário de Andrade, ‘é impossível ser um nesta cidade’, referindo-se a São Paulo, se espraiou por todo o planeta, ‘é impossível ser um neste mundo’. Saúde psicológica? Ainda vale o vaticínio de Freud, saúde mental é a capacidade de amar e trabalhar. Por vezes sinto que estamos na primeira fase do alienista de Machado de Assis, entraremos sem dúvida na segunda. Você acha que o marxismo pode dar alguma alternativa de organização social que não seja espelhada nos regimes totalitaristas repressivos, denominados, talvez indevidamente de “marxistas”, como das quase antigas União Soviética e China? Esta é a pergunta mais fácil de responder: NÃO SEI. Como seria possível a um brasileiro, deixar de ser subserviente e ingênuo em relação aos assuntos políticos? Seria possível, por exemplo, que um rapaz ou uma moça cultos, digamos, formados em ciências sociais, pudessem ser efetivamente críticos, ativos e produtivos, não apenas em suas imaginações? Tuas observações não se restringem ao brasileiro. Não conheço seres humanos que estejam fora da tua definição, exceto loucos como eu e você. Ser crítico, ativo e produtivo, doi. Você acha que é possível ligar as informações, teorias e imaginações sobre política, com a vida “real”? E o que seria “vida real” para você? Esta pergunta é uma falácia Por que muitas pessoas estão espantadas com a onda “direitista”? Trata-se de uma simples “mecânica” social, do tipo: reação às propagandas consideradas “esquerdistas” das minorias, que se alastraram nos últimos anos? E nesse âmbito, o que significariam agora essas palavras, “esquerda” e “direita”? O que significam as palavras esquerda e direita exige um tratado que eu não tenho competência para escrever. Sobre o momento de hoje: a direita sempre houve, e com o mesmo grau de estultice, o fenômeno novo é que saiu do armário. Isto é parte do legado de um governo de esquerda no Brasil, tanto por bem quanto por mal. Por bem porque os governos de esquerda, Lula e Dilma, permitiram e incentivaram o combate à corrupção e com isto ameaçaram o ganha-pão dos salafrários que agora tomaram o poder. Por mal porque erraram grosseiramente em seus governos e se tranformaram em telhados de vidro. Vivemos em um paradoxo kafkiniano, os corruptos tomam o poder de uma mulher honesta, para fugir da cadeia, usando como mote, quem diria, o combate à corrupção, Macunaíma de novo, em pleno seculo XXI. O que você pensa a respeito das “desconstruções” históricas do momento, do tipo: Machado de Assis na verdade era um racista, burocrata e medíocre; Gandhi era pedófilo e machista, etc.? A palavra desconstrução não quer dizer absolutamente nada. Como você interpreta o significado da palavra “democracia”, que tem sido bastante utilizada nas redes sociais por conta das circunstâncias políticas atuais? Como a palavra DEUS, pode significar qualquer coisa. Wanderley Codo é professor titular da Universidade de Brasília. Entre suas muitas produções escritas tem 14 livros publicados, entre eles, “O que é alienação”, “O que é corpolatria” (em co-autoria com Wilson A. Senne) pela coleção Primeiros Passos da Brasiliense, “Educação: carinho e trabalho”, e “Indivíduo, trabalho e sofrimento”, ambos pela editora Vozes. foto Wanderley Codo - divulgação foto que ilustra o texto - Walter Antunes #WanderleyCodo #Oqueécorpolatria #LuamaSocio #Katawixi #Filosofia #WalterAntunes
- A sátira sádica de Marcelo Mirisola em “A vida não tem cura”
Em seu novo livro, “A vida não tem cura”, Marcelo Mirisola dá voz àquele adolescente inocente e indefeso, vítima do Marquês de Sade. Isso em primeiro plano. Logo em seguida aparece aquele cinismo que irrita o feminismo. Isso em segundo plano. Depois, parece que na verdade o livro fala desse mundo-lixão, mundo-resto-cão dessa sociedade horrorosa que, afinal, encarna o significado do conteúdo do sadismo como metáfora desse nosso capitalismo monstrengo. É curioso como o livro vem de encontro a esse desespero que nos acontece - frente à mudez das vítimas do sadismo -, satisfazendo nosso desejo de ouvir o que é que esses coitados têm a dizer. Nesse ponto, além de se alinhar debochadamente aos maneirismos do politicamente correto típicos do nosso “momento cultural”, o livro ultrapassa o sadismo sem deixar de reverenciá-lo como inevitável referência. Aponta para Sade, mas não o repete, obviamente por não concordar com ele não só em matéria de estilo como também em matéria de concepção de mundo. No quesito estilo, Mirisola sabe contar história, imprimir aquele ritmo que conduz o leitor por entre uma atraente dança de ideias metafóricas perspicazes e sutis sobre as nossas bizarras realidades culturais. Ao passo que o feito estético de Sade, como autor, é algo bastante enfadonho, aquele falar muito do mesmo, como uma lista de conferência, milhares de palavras repetindo as mesmas coisas - a saber, aquele muro de bruta e demoníaca barbárie com o qual nos chocamos - intentando o sublime pelo método, o qual não passa de ser o expediente de agigantar aquilo que não mereceria ser valorizado. Mirisola, agora, recoloca a estética sadista ao nível do gracioso, em sua “novelinha” - como ele mesmo referiu ao texto numa postagem na rede social mais utilizada - de singelas e agradáveis 85 páginas. Aquilo em que Mirisola concorda com o sadismo encontra-se no lamento implícito do título. A palavra vida no lugar da palavra doença porque a palavra cura ocupa o lugar da palavra amor, e no meio disso a miséria do “não tem”. O nosso mundo, simbolizado pelo sadismo, é mundo esqueleto, abstrato, sem sentido, sem substância, apenas funcionando sob a matemática crua para o objetivo da eficiência do puteiro. Nem vida, nem amor, nem cura. Um mundo preenchido pela ausência do fundamental. Irrita o feminismo porque, em gradação e degradação, coloca primeiro uma mulher no papel do Marquês (Natacha) e depois uma travesti no papel de Baronesa. Todos sabem vagamente que a posição do baronato, ocupada aqui por uma travesti, está no terceiro grau abaixo do marquês na hierarquia da nobreza medieval. Eis aí o duplo esculacho no feminismo politicamente correto - nas mulheres-mulheres e nas mulheres-travestis - o que, afinal, pode ser entendido como algo ligado à sátira sádica na medida em que… será que haveria algo mais medieval do que a expressão “politicamente correto”? E haverá uma idade média mais bem representada em sua melancolia anacrônica pelo poder aristocrático hierárquico sempre na moda, velha matrona do capitalismo destrutivo, do que no tal Marquês? Conclusão: há obscuridades nas interpretações dos processos históricos que só a arte, como essa literatura do Mirisola, tem o poder de tocar sem se prejudicar por contradições mortais. Objeto entre objetos, ou lixo entre os lixos, o protagonista, Gui, é um monge e uma besta, perdido nesse mundo-lixão, que também em gradação e degradação, é um mundo abaixo do mundo-cão. Porque aqui os cães são os dois anjos, o branco-mau e a preta-boa, que mostram na abertura do livro que focinho de porco não é tomada. Ou é. E se por fim o protagonista aprende na pele um dos Provérbios do Inferno de William Blake, que diz que “o caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria”, é porque ainda há esperança na mente de um ser humano que, com a ajuda da sua imaginação, vê estrelas no espaço infinito para além do teto desse tal palácio. Finalmente é preciso dizer que o tom da narrativa é verde como o verde que aparece na capa do livro, e transmite o sentimento de uma grande ternura, a despeito de ser uma obra madura. “A vida não tem cura” é o décimo oitavo livro de Marcelo Mirisola; foi editado pela Editora 34 e lançado durante este mês; está à venda nas melhores livrarias. #MarceloMirisola #Avidanãotemcura #Literatura #LuamaSocio #Katawixi
- Duas das Sete Missões
São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, é um lugar de História viva, com seu conjunto de ruínas das missões jesuíticas, a paisagem natural e uma aura de enigma. Passeando por entre aquelas centenárias paredes, a antiguidade parece um conceito longínquo se comparado com a atmosfera de vivacidade do lugar, por incrível que pareça. Essa estranheza, de um contraste sutil, inexplicável, entre o que sentimos e o que sabemos, já faz a viagem até lá valer a pena. Talvez esse contraste se dê porque, de certa forma, o projeto jesuítico não triunfou, não se concluiu como a utopia “de criar uma sociedade com os benefícios e qualidades da sociedade cristã-europeia, mas isenta dos seus vícios e maldades”, como destacam tantos autores que se debruçam sobre este fascinante tema. Assim, deparamo-nos com uma proposta inacabada, porém encaixada num tempo passado. Antes de chegarmos a São Miguel das Missões, passamos por Santo Ângelo – uma das Sete Missões, cidade muito bem organizada: parques infantis em perfeito estado repletos de crianças, ruas limpas, um memorial à Coluna Prestes que iniciou sua jornada neste lugar para mudar o Brasil - e isto já é uma outra história; um monumento a Sepé Tiaraju, líder indígena da resistência das Missões; e uma estátua para Santo Ângelo. A bela igreja dessa cidade procura ser uma réplica-homenagem das igrejas das Missões. A igreja original dessa Missão foi totalmente desconstruída ao longo do processo de colonização. Chegando à noite em São Miguel, fica-se deslumbrado. Assiste-se a um fantástico teatro de luz e som, sentados na arquibancada de frente para a igreja. Na ocasião em que lá estive pela primeira vez, esse teatro foi incrementado pelas forças da natureza: o céu relampejava em meio a uma furiosa ventania. Espetáculo enorme: espaço, natureza, ruína, história. O áudio muito bem produzido, com as vozes de atores renomados, apresenta o drama da resistência dos povos das Missões à expulsão dos jesuítas pela Coroa Portuguesa por volta de 1750. O som, a música, as palavras, que surgem de todos os lados, combina-se com o jogo de luzes coloridas, que vão sendo projetadas representando as emoções da história. O cuidado técnico que os funcionários dispensam a esse espetáculo é milimétrico. Impressiona pela alta qualidade. A alma se comove com a imagem da síntese da arquitetura das ruínas, imóveis, e as vozes e luzes em movimento. A vida e a morte ao mesmo tempo. História presentificada. De dia, caminhando por entre as ruínas, o contraste em plena luz do sol é entre as sombras, umidade, ângulos da arquitetura, e os pássaros, plantas, visitantes e alguns descendentes dos guaranis, vendendo belos objetos, cantando antigas canções. As ruínas de São Miguel das Missões são consideradas as mais importantes dentre as ruínas dos Sete Povos das Missões porque é a mais conservada de todas. A igreja tem a parte frontal e os vãos internos praticamente intactos. As construções da povoação em volta não se conservaram porque eram feitas do material perecível típico da técnica das habitações indígenas. O revestimento externo da igreja, originalmente branco e brilhante, feito de conchas trituradas de moluscos, também se perdeu com o tempo. Agora, a cor ocre dos enormes tijolos nus, às vezes cobertos de musgo, dão um aspecto solene e venerável ao local. Essa denominação, Sete Povos, vem da divisão que se deu entre as terras de Portugal e Espanha após o tratado de Madrid no século dezoito. Das cerca de trinta Missões existentes na América do Sul, apenas sete ficaram do lado brasileiro. As ruínas de São Miguel são declaradas Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1983. Há também no local um museu projetado pelo arquiteto Lúcio Costa, o mesmo que desenhou Brasília junto com Oscar Niemeyer. O espaço museológico foi inspirado no modelo das construções coletivas que eram as habitações originais do povoado em volta da igreja; porém, evidentemente, os materiais diferem. As esculturas, estatuetas e objetos expostos no museu são de uma beleza incrível. A maior parte das peças são imagens sacras do período missionário, obras de artistas indígenas, que atestam o alto nível da excelência artística alcançada pelos índios em diversas áreas como escultura, pintura e música. São Miguel das Missões é um desses lugares maravilhosos do Brasil em que a intervenção das modernas técnicas museológicas e artísticas na valorização do legado histórico resulta em um espetáculo lindíssimo, grandioso e eloquente, despertando no viajante atento as reflexões sobre o que foi e poderia ter sido a história e a vida, sobre os encontros e desencontros entre a Europa e a América. fotos: Walter Antunes www.flickr.com/photos/walterantunes/albums #SãoMigueldasMissões #RioGrandedoSul #LuamaSocio #ruínasdasmissõesjesuíticas #FotosdeWalterAntunes #Katawixi
- A chinesa de Itanhaém
A caligrafia diáfana, registro do movimento sutil e exato do gesto da fiandeira celeste, preenche o vazio sem violentá-lo, embora a cor seja o sangue, nesses desenhos de Carla Diacov, a chinesa de Itanhaém. Na sua auto-apresentação ela diz que corta, pinta, escreve e borda, tudo sem vírgula, sua obra é o seu fio, esse que se perde nas lacunas do silêncio e do vazio estruturantes, sempre invisíveis, mas sentidas. E por fim, fio que reaparece se entrelaçando em surgimentos estranhos de imagens invariavelmente clássicas, evocando a nobreza dos mitos que fundam os céus, a terra e os fatos, objetos e movimentos da criação. É claro, ela “poderia estar matando” para sobreviver sob o seu tecido de seda nobre, difícil de ser enxergado pelos olhos mesquinhos desse mundo tacanha, quando de fato o que faz é trazer à tona os seres do movimento do seu gesto ao pincel, à ponta dos dedos: o corpo rápido da mulher, um lapso de homem entre montanhas fugazes, os peixes, os cabelos, a girafa, as bolhas, o olho, a água e o ar. Pinturas como jóias raras. Sua arte se expande em imagens múltiplas: vai além da pintura, desenho, palavra, fotografia, teatro. Essas modalidades se completam entre si na performance da exposição nas redes sociais, blogs e revistas digitais, preenchendo essas mídias como as pipas chinesas preenchem o ar do céu: os vôos da harmonia. Lançou um livro de poemas, “Amanhã alguém morre no samba”, pela Editora Douda Correria - Portugal, 2015, adicionado de sanguíneas ilustrações caligráficas que se sustentam perfeitamente autônomas em sua leveza paradoxal frente ao desespero lacunar da raiva implícita em sua intrínseca… existência. A chinesa no samba está lá, está aqui, dançando entre a montanha e o monge, entre África e Ofélia, forjando os contrastes literários da sua clássica e irremediável poesia. Um dos poemas de seu livro diz: mulher com galhos cingida pelos teus próprios galhos morrendo de medo de nada nada é mesmo engraçado mulher com galhos risonha e a mulher com galhos passa atravessa a ponte de prata ajeita os galhos queima os cascos e continua rindo abana o rabo égua certa de que está no caminho errado rindo mulher de galhos linda meio linda e metade égua linda rindo feito égua tua língua é olho-d’água e gaiola tecido que bordo debrum da colcha onde quero me enrolar nos dezembros todos tua língua d’égua Em complementação ao contraste, sua Ofélia diz em gradação: “caçando nuvens, manchas, cacos, vielas para o carvão, carvão para o chão para que a caçada então, cacos, nuvens, manchas, uma…”. É assim que Carla Diacov vai exercendo essas harmonias artísticas da composição em expansão: tanto contraste quanto gradação. Sua obra tem ainda fases de amarelo, preto, azul, riscos, brancos e espumas. Carla Diacov, a fiandeira, cria os seres e cai no samba como uma autêntica chinesa de Itanhaém, se abrindo com ira e abundância para o mundo, esse dragão, que ainda há de honrá-la, mirando-a, por debaixo da água de seus pés, com seus mil olhos de admiração. Embora esteja em Itanhaém, nasceu em São Bernardo do Campo em 1975, é formada em teatro e lançará ainda este ano mais um livro pela Douda Correria, "Ninguém vai poder dizer que eu não disse", e pela Edições Macondo lançará "A metáfora mais gentil do mundo gentil". Suas peças e seu livro "Amanhã alguém morre no samba" podem ser encontrados nos seguintes endereços, onde também estão à venda: poderiaestarmatandopoderiaestar.blogspot.com.br www.facebook.com/diacovcarla/?fref=ts carladiacov.tumblr.com/tagged/ophelias https://doudacorreriablog.wordpress.com/tag/carla-diacov/ ou direto com Nuno Moura pelo facebook https://www.facebook.com/douda.correria.5?fref=ts #Katawixi #LuamaSocio #CarlaDiacov #Amanhãalguémmorrenosamba #artesvisuais #performancedigital #poesia #DoudaCorreria
- KATAWIXI
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- Cabeza de Vaca e os europeus canibais na América
Há algum tempo um livro surpreendente caiu-me nas mãos. Intitulado “Naufrágios e Comentários”, escrito por Cabeza de Vaca, o li de uma vez, espantada e encantada, do começo ao fim. Trata-se de um livro incomum por não se enquadrar em gêneros literários convencionais; mas também é incomum por tratar dos feitos incomuns de uma personagem incomum: o próprio Cabeza de Vaca, autor. Esse personagem estranho e forte foi o primeiro homem e, ao que eu saiba, o único, a atravessar o que hoje chamamos de Estados Unidos, de leste a oeste, à pé. Ainda à pé, andou descalço, nu, até o México, perfazendo 18 mil quilômetros. Tempos depois fez outra jornada à pé, de Santa Catarina, no Brasil, até Assunção, Paraguai, desta vez acompanhado de uma tropa bem equipada. Tudo isso entre 1527 e 1542, logo depois da “descoberta do Brasil”. Suas impressões sobre a América são narradas em meio ao relato muito conciso de suas aventuras. O livro tem a forma de um relatório; não há rebuscamento formal e nem preocupações literárias. Cabeza de Vaca simplesmente relata, em sucessão vertiginosa de fatos, sua aventura pioneira. Sendo assim, o texto parece ter um fôlego só. Deve ser lido de uma vez, sem trégua. Só assim caminha-se junto com Cabeza de Vaca, e só assim não nos perdemos, como muitas vezes se perde o próprio personagem em meio à vastidão de seu cenário. E as soluções são heróicas, porque naquela época ainda existia o jeito certo de ser herói: lendo o livro é que descobrimos que jeito é esse. Apesar de ter sido um representante da civilização que exterminou nações inteiras na América, Cabeza de Vaca viveu num tempo em que esta atrocidade ainda não era prevista, a não ser... por ele próprio. Não que ele tenha previsto o genocídio da maneira exata, mas ele pressentiu o desastre da atuação dos “descobridores” europeus. Porém suas soluções, conselhos, ações ou mesmo sua experiência, nunca tiveram força para mudar o rumo da colonização da América. Cabeza de Vaca foi a voz da utopia, sensatez e consciência em meio à inaptidão geral para “descobrimentos”. Agora, por esse livro, somos nós os descobridores desta voz. Um ponto interessante que devemos observar no livro é a visão específica de Cabeza de Vaca em relação aos indígenas e seus costumes. Trata-se de uma visão anterior à de Rousseau e o seu bom selvagem, e depois à de Montaigne, tão lembrada , admirada e degustada ainda nesses nossos tempos. Saboreamos Montaigne com uma certa vaidade, gostando do que ele fala sobre isso. E ele nos fala dos canibais, por exemplo, já numa época em que a Europa propagava uma autocrítica ao mesmo tempo gloriosa – por não descartar sua superioridade como civilização – e autodestrutiva, adotando modismos e derrubando tradições seculares. Uma Europa que, no entanto, se esqueceu do seu próprio canibalismo. E é Cabeza de Vaca que nos relata meio como denúncia, meio como comprovação das misérias pelas quais passou, como os europeus em terras americanas comiam a si próprios quando estavam morrendo de fome, chocando os nativos com este tipo de procedimento. A experiência de Cabeza de Vaca ainda é norteada por uma mentalidade medieval, diferentemente da de Montaigne ou Rousseau. Assim sua conduta ainda é baseada na honra. Trata-se de uma mentalidade de antes das “luzes”. Os indígenas são vistos meio que de igual para igual; está-se aqui ainda longe da “superioridade” indígena entrevista em Montaigne, e ao mesmo tempo também está-se longe do senso comum da “inferioridade” indígena que se tornou predominante em nossa cultura, dentre outros preconceitos civilizatórios. E no entanto, o livro de Cabeza de Vaca fala pouco dos costumes dos nativos da América: fala muito da saga do próprio Cabeza de Vaca. E a partir das suas narrativas, seguimos imaginando que sonho é esse de habitarmos tão diferentemente essa terra há tão pouco tempo igual a esses relatos nem tão antigos. Imaginar outra terra aqui mesmo! Essa é a grande paisagem não detalhada, mas abundantemente imaginada por nós ao lermos o livro. E tudo isso sabendo que com certeza Cabeza de Vaca não imaginou um futuro em que se concretizasse essa nossa terra de agora. É realmente interessante que possamos agora refazer o caminho de Cabeza de Vaca, imaginando tudo o que poderia ter sido e não foi, sobre essa nossa terra. E ao mesmo tempo é escandalizadora a percepção de que isso que está sendo lido nesse livro, um dia não foi signo ou símbolo: que um dia existiu um Cabeza de Vaca de carne e osso. É estranho descobrir que o começo de um símbolo foi algo que pode ter acontecido entre um sonho de conduta e a confirmação de um passado histórico tenebroso em que se constitui a história desta América “que se tornou”. Foto: Walter Antunes #Katawixi #CabezadeVaca #LuamaSocio
- Os desafios de ensinar a escrever
Nunca me esqueço quando, ao replicar ao meu comentário sobre a falta de ideias próprias numa redação sua, um aluno do terceiro ano do Ensino Médio me perguntou: “mas como eu faço para pensar por mim mesmo”? Isso me mostrou claramente que, ao passo que os professores sabem que devem estimular contextos de referencialidade para que os alunos tenham subsídios para produzir discursos, o esforço em direção a esse estímulo, à medida que é realizado através dos convencionais exercícios de leitura e debate a partir dos textos das apostilas e livros didáticos, raramente conduz a um resultado satisfatório, principalmente ao nível de conteúdos dos discursos produzidos pelos alunos. A razão para isso todos os professores sabem qual é: simplesmente os alunos não se interessam pelos assuntos dos contextos referenciais propostos. Portanto eles não pensam nada sobre eles e assim não têm nada para escrever. O desafio para o professor, nesse caso, é “fazer os alunos se interessarem” por aquilo. Aqui a tarefa do professor será a de encontrar esses pontos de interesse nos alunos. Mas frequentemente os adolescentes parecem “não se interessar por nada”. Essa situação demonstra claramente que os exercícios de escrita devem estar associados a atividades que promovam o auto-conhecimento nos alunos, no sentido de conduzirem os alunos ao desenvolvimento da consciência da própria faculdade de percepção, que então irá se associar à linguagem. Em poucas palavras: os alunos devem ser conduzidos a “perceber que percebem”. À parte todas as considerações de cunho psicológico e pedagógico que podem ser feitas no tratamento desse tópico, podemos ainda considerar que, geralmente, nos casos de falta de conteúdo nos discursos, há essa espécie de alheamento da auto-percepção, no sentido de que o ponto de vista do sujeito não se articula ao contexto proposto. O ponto de vista do sujeito-aluno é simplesmente pressuposto pelo professor, quando o que ocorre frequentemente é que ele de fato é inexistente. É interessante lembrar as filosofias de Kant e Foucault sobre a ligação da linguagem com a noção do ponto de vista (do eu). Kant diz na sua Antropologia que o ser humano se distingue das outras espécies animais porque possui a capacidade de ter o “eu” em sua faculdade de “representação”. Depois Foucault vai dizer que nosso ponto de vista é um discurso entre outros discursos, entre outros pontos de vista. Somos sujeitos na medida de nossos discursos. Todos esses conceitos de “representação”, “sujeito”, “eu” e “discurso”, apoiam-se numa existencialidade linguística que subjaz ao nosso modo de vida. Certa vez levei os alunos para observarem uma árvore florida, munidos de caderno e caneta para fazerem uma lista de palavras que deveriam ser utilizadas na composição de um texto e vários alunos, na frente da árvore, “não viam nada”. Então, pacientemente, ia estimulando seus olhares, e eles iam descobrindo que viam muitas coisas, muitas palavras: flor, cor, amarelo, inseto, listras nos insetos, antenas, pio de passarinho, pétalas, etc. Ora, é claro que os alunos já “conheciam” as palavras. Mas de certa forma elas estavam totalmente separadas da experiência da própria “percepção da percepção”, separadas da possibilidade de se articularem com um ponto de vista. Daí a dificuldade na produção discursiva. A escrita é geralmente essa atividade cerebral que se prolonga pelos braços, mãos, dedos, imprimindo um código de linguagem num suporte-tela de papel, computador ou outro material, com o objetivo de registrar a expressão de algum pensamento, algum discurso. Do ponto de vista puramente técnico da expressão escrita, a articulação rítmica entre o movimento físico e a elaboração mental necessária a esse labor, será sempre uma espécie de arte em desenvolvimento, no escopo da qual incluem-se infinitas metodologias. Obviamente a condição prévia para a escrita é o conhecimento de um código e, em Educação, quando a questão é o ensino e aprendizado da escrita, o início da abordagem passa pelo desenvolvimento da capacidade de utilizar a Língua comum na modalidade escrita que, no caso do Brasil, é a Língua Portuguesa. Supõe-se que essa capacidade vai sendo desenvolvida, do ponto de vista motor, a partir dos estímulos da fala, simultaneamente aos estímulos dos sentidos, em que o aprendizado da Língua vai se dando na modalidade oral. Ao passo que a oralidade vai se expressando, concomitantemente ocorre uma espécie de estruturação linguística no nível mental a partir da qual poderá haver uma base para o posterior desenvolvimento da habilidade da escrita. Os inícios da aprendizagem da escrita envolvem o conhecimento das regras específicas de funcionamento da Língua para a modalidade escrita, que são totalmente diferentes das regras da modalidade oral, porque concernem a uma diferente estrutura técnica, embora sejam estabelecidas correspondências necessárias entre os códigos de uma e de outra. Um lindo livro que exemplifica um possível desenvolvimento da escrita durante a adolescência é “Minha Vida de Menina”, de Helena Morley. O livro é o diário de Helena dos seus 13 aos 15 anos, entre 1893 e 1895 em Diamantina, Minas Gerais. Embora o gênero seja narrativo no geral, a escrita do início é muito poética, no sentido de que se expressa mais pelos substantivos em sobreposição de imagens independentes do que por um encadeamento lógico, convencional, tanto gramaticalmente quanto ideologicamente. Mais para o final, Helena já se expressa como a jovem correta, que segue as regras necessárias a uma moça de juízo e, portanto, nos aparece um pouco mais sem graça, no sentido de ter perdido aquela primeira “poesia”. Podemos ver nesse livro como a escrita vai expressando as linhas de organização do pensamento que, por sua vez, é construído também pela Língua, no seu aspecto verbal linear. A grande vivacidade, principalmente dos textos iniciais, deve-se à típica espontaneidade das crianças que se sentem livres para expressarem o que sentem. No entanto, o texto só foi possível porque, mesmo aos 13 anos, esse sujeito, esse ponto de vista, está articulado à percepção fazendo uso das palavras que lhe acorrem no exercício da arte de escrever. A menor vivacidade dos textos finais deve-se provavelmente à mudança de foco perceptivo do ponto de vista, que passa a ser a típica esfera psicológica de preocupação dos adolescentes com a proximidade das responsabilidades da futura vida adulta É curioso perceber também que os textos finais, menos “espontâneos”, são melhores estruturados no que concerne à ordenação gramatical. A jovem encaminhando-se para a vida adulta se preocupa agora com o discernimento entre verdadeiro e falso, com a responsabilidade por escolhas, características dessa fase da vida. Podemos entender esse processo como uma exemplificação de uma certa justificativa escolástica de origem aristotélica, que identifica o julgamento da verdade do conhecimento com a análise das proposições. A escrita expressa o juízo à medida que segue as regras gramaticais de forma convencional, o que nos faz perceber que parece que não somos nós que pensamos, mas sim que a Língua é que pensa em nós, coisa que já foi dita por mais de um filósofo. Talvez isso ajude a explicar grande parte das “rebeliões” linguísticas em que se apoiam várias técnicas da escrita criativa, perpetradas por poetas de todas as épocas. Então, se o conhecimento das regras da Língua bastasse para que as pessoas desenvolvessem a habilidade da escrita, os professores de Língua Portuguesa e redação não teriam tanta dificuldade para ensinar seus alunos a escreverem os textos necessários à sua formação escolar, uma vez que já estão alfabetizados e familiarizados com as regras da Língua há longo tempo. Seria interessante considerar como as estratégias de desenvolvimento da capacidade cognitiva, associadas ao “aprender a pensar” a partir das operações clássicas do pensamento, como raciocinar, formular juízos, fazer análises, classificar, caracterizar - como por exemplo, aqueles apresentados pelo grupo RATHS, no livro “Ensinar a Pensar” - nascidos dessa espécie de aristotelismo, levam-nos a uma impressão de “neutralidade” do sujeito diante dos dados da percepção. O vago valor dessa “neutralidade”, juntamente com a capacidade de um “pensar lógico”, embutido nas propostas didáticas de redação aos alunos do Ensino Médio é muito valorizado pelos professores. Posto isso, aqui instala-se uma contradição que, não obstante, apresenta-se como desafio no ensino da escrita escolar. Trata-se de um desafio que desdobra-se ao nível da necessidade de conciliar o desenvolvimento de um ponto de vista específico no aluno, mas que ao mesmo tempo seja convencional, como que destituído de “personalidade” e, ainda por cima, que seja interessante, ou que expresse inteligência aos olhos de um possível leitor, que frequentemente é o próprio professor. É nesse ponto que entra a necessidade de uma paciente sensibilidade, por parte do professor, quanto aos meandros do desenvolvimento do pensamento no aluno, entrelaçados com os modos culturais de percepção. São os dados desses meandros que deverão direcionar as atividades pedagógicas em cada caso. Ilustrações: Acima, Detalhe do óleo sobre tela "O Tempo", 1925, de Henrique Bernardelli, acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo; abaixo, fotografia de Walter Antunes, de frase escrita numa rua do centro de São Paulo. #Katawixi #Educação #Ensinaraescrever #Escrita #LuamaSocio #MinhaVidadeMenina #HelenaMorley #HenriqueBernardelli
- Diário de Exus
Filme O filme "Diário de Exus" é dirigido pelo professor da Unicamp, Gilberto Alexandre Sobrinho. Enquadramentos arquitetônicos, cores belas, metonímias criativas e essa iniciativa muito original de abrir a atmosfera da universidade pelo filme, pelo cinema e vídeo, ao mesmo tempo que mostra a universidade se abrindo a um universo considerado até agora apenas popular, que é a "cultura negra". O filme tem como fio condutor a história do Mestre Jahça e iconiza o próprio Exu. Constrói e desconstrói o mito. Esse Exu, dentre os Orixás, o mais maltratado, temido, utilizado e abusado. Ao qual é muitas vezes recusado e até colocado em dúvida o status de Orixá. Link para youtube https://youtu.be/EDOzUro7EDs #DiáriodeExus #GilbertoAlexandreSobrinho #cinema #documentário #Unicamp
- Ala dos Compositores do Kolombolo
Encontro com o Samba A Ala dos Compositores do Kolombolo é um encontro semanal aberto para novos e consagrados sambistas. Num clima democrático - coisa rara no samba - qualquer pessoa pode apresentar seu samba e descobrir novos diálogos com outros compositores. site do Kolombolo www.kolombolo.org.br #AladosCompositoresdoKolombolo #SãoPaulo #samba #Kolombolo
- Eu, Poema
Livro Eu, Poema - livro de Aline Lira Aline Lira é uma poeta autêntica. Dessas que não "dominam" a palavra, mas que "são" a própria palavra. Sua técnica não transparece. Suas rimas e não-rimas são igualmente poéticas e fluem fáceis, naturais. Seu primeiro livro é frescor, inteligente e universal. página do livro no Facebook www.facebook.com/Eu-Poema-390607860994940/?fref=ts para comprar www.martinsfontespaulista.com.br/eu-poema-424109.aspx/p #AlineLira #EuPoema #Poesia