Em tempos em que a Beleza tem sido confundida com gosto pessoal - pois constata-se essa opinião em grande parte das pessoas que expressam suas opiniões educativas -, ou seja, em tempos em que a Beleza tem sido simplesmente esquecida… paira uma neblina espessa sobre a existência de sua forma privilegiada, justamente a Arte, a qual é, não obstante e oficialmente, uma necessidade no processo educativo.
Relembrando a Beleza como uma coisa qualquer, boa e inteligente para a nossa vida, será que devemos dizer que o processo de Educação promovido pelos adultos poderia ser considerado, metaforicamente, algo belo? Por que não? Por que sim?
A Beleza é importante e necessária porque é a expressão da subjetividade da personalidade. A Arte é um modo de representação privilegiado dessa expressão. Ao se fazer Arte, um Sujeito se mostra nisso, ou deveria se mostrar.
O ensino da História da Arte é uma coisa bonita. Porém, necessário mesmo, em Educação, é fazer Arte como um modo de aprender sobre a Beleza. Mas não apenas a Beleza segundo regras estéticas e os fatos históricos de seus percursos técnicos, e sim a Beleza de acordo com os sentimentos, sensações e reflexões envolvidos pelos sujeitos do processo educativo.
A Beleza como valor essencial não pode ser despertada apenas pela obediência a regras de Estética, ou pela análise de obras artísticas. Ela desperta junto com a auto-percepção da individualidade e personalidade. O Aluno se acha bonito.
É difícil a emergência desse tipo de auto-percepção nas matérias tais como Matemática ou Biologia, em que o núcleo do aprendizado está na memorização de vocabulário específico e fórmulas de raciocínio simbólico. Porém na aula de Arte, justamente esse ponto da auto-percepção na estrutura da personalidade do aluno poderá ser estimulado.
Em uma matéria como Álgebra, por exemplo, a rotina de ensino-aprendizado convencional convida o aluno a esquecer as impressões sensoriais e concentrar sua energia nas regras do jogo simbólico em nível mental em primeiro lugar. Em Educação Física, o aluno é conduzido a se esforçar fisicamente em primeiro lugar, relegando ao nível de ruído os setores emocionais e intelectuais da personalidade. É na aula de Arte que o aluno tem a chance de se aproximar com mais Liberdade da construção de sua própria personalidade.
Aqui vai uma possível explicação sobre a necessidade e importância de se levar a sério os significados do conceito de Beleza na Educação:
A palavra Beleza nomeia o objeto de representação, de uma espécie de processo de conhecimento, que vai da consciência da percepção dos sentidos, associando sentimentos e emoções que serão agregadas à caracterização de uma individualidade, a qual é o próprio aluno, ou seja, sua subjetividade, mediante uma prática estética.
A ligação da Beleza e da Arte com a Liberdade de ser um indivíduo possuidor de caraterísticas únicas, está justamente nessa espécie de “canção da pessoa”, na relevância das peculiaridades singulares do indivíduo manifestando-se num objeto de representação da “glória” de sua existência. E a mesma medida de subjetividade do artista, contida na obra, se reflete e se completa na figura do sujeito-receptor da obra.
Em sua obra filosófica Kant escreveu: “Para discernir se uma coisa é bela ou não, nós não relacionamos a representação a seu objeto, mediante o entendimento, para o conhecer, mas ao sujeito e ao sentimento de prazer ou desprazer que ele experimenta, mediante a imaginação, aliada, talvez, ao entendimento. O juízo de gosto não é, pois, um juízo de conhecimento; portanto, ele não é lógico, mas sim estético, entendendo-se por isto aquilo cujo fundamento determinante só pode ser subjetivo”.
Ariano Suassuna explica: “A Beleza é, assim, não uma propriedade do objeto, mas uma certa construção que se realiza dentro do espírito do contemplado, uma certa harmonização de suas faculdades”.
O grande filósofo, educador, cientista e místico, Rudolf Steiner, faz da Arte o centro das práticas de sua pedagogia. Para Paulo Freire, o próprio educador deve ser um artista, e a Educação, uma Arte. Ele diz: “o educador repinta, redibuja, redança o mundo”. Piaget nos faz ver a aproximação das sementes do que vemos como Beleza e Arte no desenvolvimento da criança em seu “brincar”. Sobre a questão da Liberdade… este “princípio” na Educação é tão antigo e controverso quanto Rousseau.
Obviamente os adultos, ao imaginarem as consequências dessa Liberdade, talvez se aterrorizem, principalmente em tempos de intenso medo realizado em grande parte pelo condicionamento político-social das emoções coletivas promovido pela cultura de Estado nas bárbaras circunstâncias atuais.
Mas o Professor consciente jamais se deixará assustar pela falta de bom-senso que existe na negação da Beleza, Arte e Liberdade nesse mundo.
Obviamente não se deixará de lado o ensino sobre a existência dos movimentos e personalidades artísticas de todas as épocas e culturas que estão incluídos no cultivo da Arte através da História. O tempo passa e a Arte tantas vezes sobrevive ao artista. Como se deduz do tema da “subjetividade” associada à Beleza e à Arte, não é demais lembrar que conhecer obras de arte é como entrar no espaço interior da mente de outra pessoa, participar ou apenas contemplar um Outro, meio que a partir do lado de “dentro” da pessoa. Nesse sentido, a Arte funciona como uma espécie de elo vivo entre presente e passado.
Porém o Professor que dá importância à Beleza e à Arte não vai se preocupar exclusivamente em familiarizar os alunos com padrões estéticos, ou contentar-se simplesmente em discorrer, nas aulas expositivas, sobre os padrões existentes. Ele vai proporcionar aulas que busquem tornar os alunos sensíveis e interessados em descobrir e construir harmonias estéticas de acordo com suas próprias percepções. A oportunidade para essas percepções e para a elaboração de objetos artísticos deve existir na escola, acompanhada de reflexão, comentários e discussões sobre tudo isso. Ser sensível à beleza é estar com os sentidos abertos.
Por fim lembramos que, se a Arte, como instrumento da Educação institucionalizada, pode ser uma aliada preciosa na formação da criança e do jovem, estando explícito o seu valor inclusive nos manuais oficiais de orientação da política nacional para a Educação, a qual enfatiza a necessidade de se considerar como centro do processo educativo a promoção do protagonismo do aluno como pessoa, ela chega ao grau de instrumento terapêutico de acordo com uma certa visão de mundo da atualidade.
Os filósofos contemporâneos Alain de Botton e John Armstrong dizem que a Arte tem valor e utilidade como instrumento terapêutico correlacionado a sete “fragilidades psicológicas”. Em muitos casos a Arte funciona como: 1. um corretivo da memória fraca; 2. um provedor de esperança; 3. uma fonte de dignidade para o sofrimento; 4. um agente de equilíbrio; 5. um guia para o autoconhecimento; 6. um guia para a ampliação da experiência; 7. um instrumento de recuperação da sensibilidade.
Nesse ponto, parece que essa visão sobre a Arte tenta preencher, filosoficamente, o espaço da diferença entre as heranças platônicas e aristotélicas, as quais vão se definindo por entre conceitos de Beleza e Estética, transcendência e forma, como pano de fundo para as discussões a respeito da Beleza e da Arte como necessárias na Educação.
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à Estética. Rio de Janeiro: José Olympio Editora:,2005. 7 Edição.
BOTTON, Alain de. Arte como Terapia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.