Rezam os historiadores a lenda de que Alcântara tem esse nome por conta do mandatário português que recebeu essas terras. Seria uma homenagem dele a uma antiga ponte, resquício do período romano na península ibérica, nas cercanias de Lisboa. Isso comprovaria certamente a tese de Darcy Ribeiro de que a colonização brasileira é um prolongamento do império romano. Mas por certo mesmo temos que a palavra Alcântara tem origem árabe e significa a ponte.
Outra história muito confirmada sobre Alcântara é a da disputa entre famílias locais para construir o mais belo palacete para ter a honra de receber a visita de Dom Pedro ll, este sim comprovadamente tem Alcântara como um dos seus 15 nomes-sobrenomes, mas a visita nunca se concretizou.
Partindo à procura da ponte de Alcântara na própria Alcântara temos contato primeiro com um belíssimo lugar não realizado, uma história do aquilo que poderia ter sido e que não foi. A natureza do lugar e as ruínas escancaram um encontro com um Brasil perdido não apenas no tempo histórico, mas em todas as suas possibilidades.
Poderia mesmo, segundo as lendas dos historiadores, Alcântara ter se concretizado como a capital da França Equinocial ou uma Nova Amsterdã tropical? Em Alcântara não se encontra resposta-ponte para essa pergunta. Tampouco se encontra a ponte para a Balaiada, pois esta ao que parece não chegou até aqui.
A ponte para a resposta sobre o que seria hoje Alcântara e quão rica seria com o seu algodão se a guerra de secessão norte-americana nunca tivesse tido fim também não é encontrada.
Quanto aos estadunidenses existe outra ponte não concluída com eles: a da propagada tese sobre a explosão do centro de pesquisas espaciais brasileiro em 2003 e a posterior implosão de quase toda pesquisa nacional neste campo. Não temos aí nem ponte-resposta nem foguetes mais.
Haveria uma outra ponte que levaria o viajante até Tapuitapera um paraíso de nossos índios se estes não tivessem sido exterminados em guerras entre portugueses e franceses e pela varíola e cólera trazidas pelos propagadores da fé cristã. Essa ponte também poderia levar o viajante a uma utópica república livre quilombola, mas isso também não acontece.
Depois de 70 minutos de jornada através das águas movimentadas da baía de São Marcos que separa a ilha de São Luís do Maranhão da cidade de Alcântara, na costa do continente, chega-se a um porto onde come-se doce de coco - a principal iguaria da tradicional Festa do Divino - e adquire-se um mapa local de papel reciclado.
A música do lugar, como em São Luís, é o reggae, a ouve-se “Maluco Beleza”, do Raul Seixas, em versão reggae, descobre-se também que uma das principais manifestações culturais locais é o “Tambor de Crioula” além, é claro, da Festa do Divino.
Passeando pela cidade quase deserta, que foi fundada na primeira metade do século XVII, e que é tombada como patrimônio histórico e artístico nacional, passamos por incríveis ruínas de casarões, igrejas e solares. Uma dessas construções antigas se converteu em museu, o Solar dos Guimarães, em que se vê característicos objetos domésticos, móveis, porcelanas, máquinas de costura, violões, enfeites, anáguas, azulejos, sinos, de várias épocas antigas preservados ao longo dos séculos. De algumas janelas desse casarão avista-se a belíssima paisagem da misteriosa baía de São Marcos com São Luís ao fundo, do outro lado do mar.
Andando pelas ruas, encontramos dona Nica, uma caixeira de Tambor de Crioula, com quem conversamos um pouco, também passamos por mulheres sentadas em frente às casas, ocupadas em suas rendas de bilros, expondo seus licores e doces a quem quisesse comprar.
A vegetação em torno, pelos canteiros da cidade mesma, é bonita e rica. Uma argentina que se tornou guia turística, a Patrícia, vai nos mostrando várias plantas, contando sobre propriedades medicinais e estéticas. Ficamos conhecendo, entre as plantas, o “sino de cobra”, cujas sementes são utilizadas na confecção de bio-joias, o “melãozinho”, que serve para dar banho em criança alérgica, o “pau-pelado”, que dizem ajudar na cura do câncer.
Paramos para almoçar no restaurante do Cláudio. Comemos peixe com camarão, arroz de cuxá, pirão, farinha, omelete com legumes, feijão preto e salada: a comida simples e gostosa do lugar.
Entramos na igreja de Nossa Senhora do Rosário, a dos pretos. O seu João, cuidador da igreja, nos explica sobre os tambores de crioula expostos ali: três congas, cada uma em um tom, feitas de troncos inteiriços e ocos, revestidos de pele. Perto da igreja está o museu referente à base de lançamentos de foguetes que explodiu matando 21 pessoas e praticamente extinguindo o programa espacial brasileiro.
A Pousada do Guará, em que nos hospedamos, fica em meio a muito verde, na beira do mar e mangue. Logo ao acordar pudemos fazer um passeio de barco a remo no mangue, conduzidos pelo seu Chico. Passeamos por inúmeros canais calmos, por entre os quais víamos guarás cor de fogo, maçaricos, garças, tainhas pulando para fora d´água, peixes quatro-olhos, baiacus, caranguejos… depois pudemos parar numa praia linda, imensa e deserta.
Voltamos para São Luís, cidade cheia de azulejos portugueses, jovens e muita música. A volta foi de barco e não através de ponte.
Alcântara possui sim apenas uma única e invisível ponte para um lugar mágico por sua própria natureza em que as pessoas são belas e felizes. O viajante que consegue atravessar essa ponte encontra o esquecimento de todo o resto do mundo e penetra as profundas e verdadeiras histórias não-lendas do Brasil.