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Foto do escritorLuama Socio

Marcelo Ariel, como um pássaro, em Jaha ñade ñañombovy’a


Assim que terminei a leitura de Jaha ñade ñañombovy’a (“Vamos nos maravilhar” em tupy-guarani), me foi inspirado talvez pela capa do livro, este explicativo poético em palavras primitivas a respeito de Marcelo Ariel, autor dessa obra:

O Sol

na cabeça

Os Pés

no animal

e o

Coração

na flor

Sua cabeça é

um pássaro, não

a Lua.

A analogia do poeta com um pássaro também consta do título de um filme sobre Marcelo Ariel, dirigido e roteirizado por Dellani Lima, Pássaro Transparente, lançado esse ano, participante de vários festivais pelo país.

Esse livro, Jaha ñade ñañombovy’a é o giro magistral de um dançarino dos pensamentos e palavras. O círculo de um visitante, um pedaço do caminho do viajante, a ardência dos maravilhamentos. Uma dança poética sobre a revelação de mapas de filiamentos poético-místicos corroborados pelas pistas de um pós-nome de Marcelo Ariel, esse “esutuareguedjinnsufinamba”. “Nosso nomadismo é no sempre e na direção de esferas cada vez mais incomensuráveis e extraordinárias”.

Realiza um encontro com os amigos, evocando ao longe uma conferência de pássaros. Amizades de alta erudição. Diálogos com a sabedoria. Marcelo Ariel é o poeta místico por princípio da própria poesia que habita nele. “Somos espaços destinados à metamorfose contínua”.

As imagens formadas pelas palavras desse livro tomam corpo a partir do misticismo de sonho, do viajante da luz e do escuro pelos espaços e não-espaços do conhecimento. Faz lembrar o verso de Rumi, “os viajantes da noite são cheios de luz”. “Os autênticos artistas são caminhantes”.

Muitas dessas imagens são revelações, tanto das maravilhas reveladas mas esquecidas, quanto daquelas promessas ocultas propiciadas pela eterna maravilha micro-macro-cósmica. Algumas vezes integram o real na melancolia do perdido, da fugacidade. Outras vezes são um índio, um pássaro, todos os homens, ou uma fusão. Marcelo Ariel vai girando de acordo com os nomes dos sábios, dos poetas e pássaros. “As formas escondem um segredo dito para as imagens através dos sonhos”.

Nesse livro, entre tantas outras coisas, aprendo tarô: “nossa tomada de consciência ou caminho, se inicia na copa das árvores de nosso ser”, escreve em “O enforcado vê o sol”; “… como diriam os surrealistas: a penetração do maravilhoso na vida."

Surgem saborosos aforismos, propícios ao nosso momento, mais do que os do Blake, Marquês de Maricá ou os do Bernard Shaw (os quais são muito diferentes entre si afora os aforismos e diga-se de passagem não figuram como visitados de Ariel). Aqui estão as lições, as tristezas: “prefiro apenas afirmar que a negação e a realidade são ilusões”.

Esses aforismos são metamorfoses, esperanças, chistes, choques, paradoxos, jogos, rimas, haikais, descrições, definições, a psicologia, o surrealismo, as metonímias, os contrastes, as sabedorias, os vaticínios, os enigmas, os contra-sensos, as evocações, os mistérios, as correções… Transcrevo uns:

“Cidades grandes são o roubo do tempo: pequenas, a organização do tempo e aldeias SÃO O TEMPO”

“Transformar o impossível em algo possível; depois esperar três semanas”

“A indignação atrasada dos cordeirinhos no pântano em chamas, raposas com Alzheimer e duas pragas do Egito"

“Narcisismo , narcolepsia e narcotráfico podem ser abreviadas por estas 4 letras: narc"

“O ponto de convergência entre os 7.000 anos de ontem e os 10.000.000 de anos de anteontem é este momento"

“No deserto da limitação da sensibilidade, o rio criado pelos profundamente sós"

Pode-se dizer em palavras curtas, sobre o livro Jaha ñade ñañombovy’a, que propõe e cumpre o maravilhamento de seu título. São tantas coisas, assuntos, poesias e teatros, o leitor dançando junto com Ariel por vastidões cosmo-pensamentais englobando temas políticos, filosóficos, místicos, poéticos, históricos, numa coesão girante de mandala perfeitíssima, belíssima, estética. Certamente é um livro maravilhoso. Um tesouro em língua brasileira feito por Marcelo Ariel. É o beija-flor de um de seus aforismos:

“Ver um beija-flor na chuva é o contrário de ouvir o som de um tiro"

Segundo Marcelo Ariel esse livro fecha a trilogia composta por Retornaremos das Cinzas para Sonhar com o Silêncio e Com o Daimon no Contrafluxo, editados pela Patuá.

Jaha ñade ñañombovy’a, de Marcelo Ariel, é editado pela Penalux, os textos são acompanhados de belas e interessantes ilustrações de Ulisses Bôscolo, apresentação de Tales Ab’Saber e prefácio de Natalia Barros.

Para o livro acesse:

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