“Neste instante, esteja você onde estiver, há uma casa com o seu nome. Você é o único proprietário, mas faz tempo que perdeu as chaves. Por isso fica de fora, só vendo a fachada. Não chega a morar nela. Essa casa, teto que abriga suas mais recônditas e reprimidas lembranças, é o seu corpo.” Essas palavras de Thérèse Bertherat, criadora da Antiginástica ®, citadas em seu livro de 1976, O Corpo Tem Suas Razões, mostram-se, ainda, surpreendentemente atuais e, até, revolucionárias.
Nessa era de celulares e de redes sociais, o indivíduo encontra-se cada vez mais “conectado” com o Mundo e cada vez menos, consigo mesmo – espelho de uma sociedade que busca transformar seus cidadãos em meros consumidores alienados de seus verdadeiros desejos e anseios. E tal sociedade trata o corpo como um objeto ou, como diz Thérèse, como um “corpo-carne”, algo a ser domesticado. Em Mulheres que Correm com os Lobos, Clarissa Pinkola Estés nos diz:
“Está errada a imagem vigente na nossa cultura do corpo exclusivamente como escultura. O corpo não é de mármore. Não é essa a sua finalidade. A sua finalidade é a de proteger, conter, apoiar e atiçar o espírito e a alma em seu interior, a de ser um repositório para as recordações, a de nos encher de sensações – ou seja, o supremo alimento da psique (...).” (ESTÉS, 1994)
O sujeito distanciado de si mesmo é o que vive o corpo “separado” da mente. Mas essa separação, na verdade, não existe. É Jung quem nos lembra que: “A distinção entre mente e corpo é uma dicotomia artificial, um ato de discriminação baseado muito mais na peculiaridade de cognição intelectual que na natureza das coisas.” E Thérèse Bertherat concorda:
"Nosso corpo somos nós. É nossa única realidade perceptível. Não se opõe à nossa inteligência, sentimentos, alma. Ele os inclui e dá-lhes abrigo. Por isso tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois corpo e espírito, psíquico e físico, e até força e fraqueza, representam não a dualidade do ser, mas sua unidade." (BERTHERAT, 1986).
Tratar o corpo como um objeto de adequação social a uma imagem imposta externamente, desconhecê-lo, leva-nos não somente à frustração, mas também a um vazio, a uma insatisfação interna, a um perder-se de si mesmo e a um consequente adoecimento do indivíduo.
É preciso, portanto, ouvir o corpo, senti-lo, respeitá-lo, liberá-lo. Torná-lo autônomo. Conhecer o próprio corpo é ter autonomia. E esta tarefa também pertence à Arteterapia.
Em Grupos em Arteterapia, Angela Philippini explica que o fluir e o pulsar naturais do corpo são comunicações vitais do caminhar da energia psíquica, bloqueados frequentemente pela vida cotidiana. Assim, o arteterapeuta deve procurar formas para liberar este fluir e este pulsar, através de, por exemplo, exercícios de consciência corporal, para a expressão da criatividade do indivíduo. “O processo criativo, quando ativado de maneira adequada, restaura, resgata, recupera, reorganiza, redireciona e libera o fluxo de energia psíquica em prol do bem-estar e da expressividade de cada indivíduo.” E manter-se criativo é fundamental para a autoestima, a saúde, a vitalidade e a inteireza psíquica (PHILIPPINI, 2011):
"Estar bem consigo mesmo equivale a estar bem com o próprio corpo. Tal como na expressão francesa - être bien dans sa peau(literalmente, estar bem na sua pele, logo, no corpo inteiro) - que significa estar à vontade, sentir-se à vontade consigo mesmo. Esse é o corpo que se quer: aquele no qual estamos confortáveis e com o qual podemos nos relacionar livremente com os outros. Um corpo autônomo, dono de si, da sua pele, que nos leva aonde precisamos ir e para onde nos conduz nosso verdadeiro desejo. E esse é igualmente o corpo que o trabalho de Arteterapia pode ajudar a alcançar." (PHILIPPINI, 2011).
No dia 25 de agosto passado, como parte do “Ciclo Conhecer Cultura Holística”, no espaço Riserva Zen, no Rio de Janeiro, apresentei o workshop “O corpo na Arte (terapia)”, no qual expus algumas das ideias acima abordadas e propus uma vivência de corpo e arte. O trabalho corporal teve dois momentos: com os participantes deitados no chão e depois em pé, num círculo. Deitados, pedi-lhes que observassem os pontos de apoio do corpo no chão, a respiração, o movimento das costelas e a localização do diafragma. Com movimentos simples, os músculos das costelas e do diafragma foram alongados, para uma respiração mais livre e completa. Depois, em pé, os participantes levaram sua atenção para os seus pés, o apoio destes no chão, o movimento do corpo a partir dos pés como ponto central de apoio, imaginando seu corpo como o de uma árvore que balança com o vento. Esse foi o momento de sensibilização. Após o trabalho corporal, sentados, os participantes fizeram uma breve imaginação de seu corpo-árvore para, enfim, desenhar esta árvore, com materiais de colorir (giz de cera, lápis de cor, lápis comum, caneta, canetinha hidrocor, cola glitter colorida) em papel A3 ou A4. Depois, falaram sobre sua árvore e sua vivência. Alguns relataram surpresa com os movimentos novos e inusitados que haviam sido pedidos e como tinha sido agradável mexer no corpo desta maneira diferente. Disseram que haviam conseguido respirar plenamente, como nunca antes. Outros falaram da sensação de equilíbrio e movimento sentidos no trabalho corporal. Outros remeteram sua árvore à infância e suas lembranças peculiares. Muitos perceberam pontos em comum da árvore desenhada com o seu corpo, sua vida no momento atual e/ou com o trabalho corporal que haviam feito. Todas as árvores tinham vida, movimento, eixo, equilíbrio e refletiam um corpo que havia podido experimentar essas e outras sensações durante a vivência corporal e artística proposta.
Trabalhar o corpo e propor uma atividade artística logo em seguida amplia as possibilidades de expressão do indivíduo: sensações, dores, lembranças, sentimentos que surgem no trabalho com o corpo ganham espaço para se manifestar na expressão artística. E a proposta de liberação da respiração e de músculos que frequentemente estão contraídos ou mesmo retraídos permite que conteúdos inconscientes venham à tona e tenham oportunidade para se concretizar através da arte, para que, assim, possam ser trabalhados terapeuticamente, levando o indivíduo a um maior autoconhecimento.
Referências Bibliográficas
BERTHERAT, Thérèse .O Corpo Tem Suas Razões – Antiginástica e Consciência de Si. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que Correm com os Lobos – Mitos e Histórias do Arquétipo da Mulher Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
JUNG, C. G. Fundamentos da Psicologia Analítica , Volume XII. Rio de Janeiro: Vozes, 2004
PHILIPPINI, Angela. Grupos em Arteterapia – Redes para Colorir Vidas. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
Sobre a autora:
Isabel Cristina Pinto é arteterapeuta (Curso de Arteterapia Danielle Bittencourt); formada em Antiginástica ®Thérèse Bertherat , grupo BR1; formada em Jornalismo (ECO – UFRJ); pós-graduada em Língua Portuguesa (UERJ) e em Língua Inglesa (PUC/RJ); possui Complementação Pedagógica em Língua Inglesa (PUC/RJ); professora de Inglês e Francês e graduanda em Psicologia (Universidade Veiga de Almeida/Barra da Tijuca).
Contato: bel.antigin@gmail.com
Leia mais a respeito do assunto em ;