Marco Fronteiriço
Cicatrizes são ritos de passagem, marcas como portais, divisórias de realidades paralelas, testemunhas do tempo e da transcendência do tempo.
La Camargo diz: “O processo de cicatrização é uma reparação tecidual que substitui o tecido lesado por um tecido novo. A reparação envolve a regeneração de células, a formação de tecido de granulação e a reconstrução do tecido. Esses eventos não acontecem isoladamente, e sim, sobrepondo e se completando. Essa cicatriz que se transforma em uma memória conta uma história, uma origem e seus desdobramentos. Cortes, cirurgias, envelhecimento, infância, ancestralidade, maternidade, puberdade, queimaduras, doenças, afetos... tudo passa pelo corpo.”
São imagens sobre essas ideias e coisas que vemos na arte de Laz Camargo, reunida na série “Cicatrizes”.
Sorte ou Azar
Na elaboração de sua obra a artista reúne uma multiplicidade de vozes e acontecimentos cicatrizantes: “Ouço as vivências de outras pessoas sobre ritos de passagem. A arte deve proporcionar reflexão”.
Evidenciando materialmente, artisticamente, as fronteiras, é como se nessa arte houvesse ao mesmo tempo o escancaramento da cicatriz como uma mera aparência da multiplicidade avizinhada na organização do mundo. A linha cicatrizada entre os seios, o espaço entre os pulmões, a divisão dos saberes entre arte e educação: tudo isso é evidenciado para mostrar que os dois lados da fronteira existem numa inerente importância de plenitude e não estão realmente separados. A cicatriz é a estética.
Ritos de Passagem
O tema dessa arte é universal e antigo, mas como tudo o que é importante, deve ser ressignificado continuamente. Aquilo que é sofrido e ultrapassado, aprendido e marcado numa trajetória de vida, nem sempre é devidamente conscientizado.
Numa cultura em que os ritos de passagem tradicionais – tais como a passagem da infância para a vida adulta - não são existentes nitidamente, um trabalho como o de Laz cumpre uma função propulsora de aprendizagens nesse nível.
“Meu trabalho tem um fundo didático importante no sentido da humanização da arte contemporânea. A troca pedagógica alimenta reflexões. A educação comum não acompanha os movimentos artísticos. Sinto que é necessária uma orientação ou ativação do olhar do público. É preciso sempre tocar no ponto que transcende as convenções”.
Cicatrizes da Infância
Quelóide
Passagens e Encruzilhadas (detalhe)
As peças elaboradas na série “Cicatrizes” são descontínuas, como a vida é descontínua. Cada peça completa o conceito do tema como uma face do corpo de um cristal sendo lapidado. A ideia de linearidade, que geralmente se espera nas construções da arte convencional, é substituída por uma complementação poliédrica. O centro do trabalho é o próprio corpo concreto da artista, que por sua vez é composto de vozes múltiplas. A natureza concreta e poliédrica, no entanto, se espalha na pluralidade de materiais e diversidade de composições.
“Sou fascinada pelos processos. Uma reflexão me incomoda e inicio processos. As persistências afloram. Não fico experimentando muito. Os materiais vão surgindo, a obra vai adquirindo vida. Gosto de passear pelos afetos, que são importantes porque o processo gera respostas a eles.”
Pergaminhos Contemporâneos
Descontinuidade
Laz Camargo nasceu em Guiratinga, Mato Grosso. Atualmente vive e trabalha entre Guiratinga e São Paulo. É graduada em Artes Visuais pela Faculdade Paulista de Artes. Expôs “Cicatrizes” no SESC Rondonópolis entre Abril e Maio de 2018.
Participou das exposições: “Arte-Educação: Tradição e Ruptura” na galeria Mario Schenberg na Funarte-SP. “R I Z O M A Mostra nômada Multimídia Internacional de Arte Contemporânea” na Secretaria de Cultura em Pelotas – RS. “Mulheres Visíveis” no Espaço Cultural Rogério Telles Scaglione – SP. “Mostra Sem Censura” em Florianópolis-SC em 2017. Em 2016 participou como artista da Residência Artística e Ateliês Educativos pelo Ministério da Cultura – SP. Atualmente trabalha como artista-educadora no Coletivo Amuela.
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