Alex Montel revela o seu olhar e a sua fotografia na conversa com Walter Antunes: descobertas, transformações, perspectivas, natureza, invisibilidades, geografias da exclusão, humanidades, expectativas, realidades, esperanças, presentes e futuros
Walter Antunes: Por que esse tema das aves?
Alex Montel: O tema aves nasceu da necessidade de um foco em algo específico em que eu pudesse canalizar meus estudos com a fotografia. Eu possuo uma máquina semi-profissional desde 2018, mas não estudava fotografia, não conhecia a fundo o aparelho e a fotografia não evoluía. Em 2020 eu comprei um livro que abordava a fotografia, fiz a inscrição em um curso e decidi que teria que evoluir e sair do modo automático. Logo após a chegada do livro veio o período de pandemia, eu tive que ficar em casa. Sobrou muito tempo ocioso e fui estudando, do quintal de casa eu comecei a observar os pássaros nos quintais dos vizinhos.
As aves vinham pousar em mangueiras, açaizeiros, limoeiros, mamoeiros e comecei a focar nelas. No início as aves eram somente o que eu tinha para fotografar, mas à medida que eu ia observando e as fotografando foi desenvolvendo em mim um gosto por conhecer as espécies, fotografava uma desconhecida por mim e enviava para um amigo biólogo identificar para mim, este amigo, Hugo Buratti, contribuiu muito para este gosto meu, conhecer os nomes e as espécies fez-me aproximar mais dos pássaros.
O tempo foi decorrendo em 2020 e quando me dei conta, havia fotografado quatorze espécies somente do quintal de casa e observando os pássaros nas árvores dos quintais dos vizinhos. Não havia mais nenhuma espécie nova para fotografar de onde eu estava, então resolvi ir para a estrada procurar novas espécies que pousavam nas árvores próximas às rodovias pois eu via muitas enquanto eu pedalava, ciclismo foi outra atividade que me atraiu em 2020 durante a pandemia.
Na primeira vez que eu fui fotografar na estrada, percebi que não era mais somente a melhora das minhas fotos que eu procurava, era o gosto por encontrar novas aves para fotografar que me movia, foi nesta hora que deu aquele estalo e percebi o gosto pela fotografia de aves tinha verdadeiramente se instalado em mim.
Walter Antunes: Qual contraponto e reflexão você faz entre esse trabalho com os pássaros e aves e a humanidade, sobretudo destacando o período das fotos feitas na pandemia?
Alex Montel: A primeira vez que eu resolvi postar fotos em uma rede social que não fosse o whatsapp, foi no meu facebook. Neste dia eu nomeei meu post como “Surtos na Quarentena”, ali para mim era um surto, uma fuga de tudo que ocorria naquele momento e então eu refleti que eu era um ser preso, observando pássaros livres. Não havia correntes ou gaiolas que me privassem de uma liberdade como alguns costumam fazer com pássaros, mas havia uma doença desconhecida que amedrontava a todos e eu não saía de casa por isso.
Então, lá estava eu preso em uma casa, sentado em um gramado de um lote com medidas de doze por trinta metros, totalmente murado, preso no meu mundo em que julgava ser livre, no entanto livres eram os pássaros que voavam todos os dias para vários lugares desconhecidos por mim. Mas cabe destacar também que foi essa prisão durante a pandemia que permitiu que eu pudesse estudar a fotografia e enxergar os pássaros que rodeavam minha casa, eles estavam sempre por lá, eu que nunca via e este momento pandêmico permitiu isso a mim.
Walter Antunes: Estas fotos são feitas em quais lugares?
Alex Montel: Comecei pelo quintal de casa, depois fui para as rodovias próximas a Araguatins, pois via muitos pássaros enquanto pedalava pelas manhãs. Após despertar o gosto por fotografar aves eu sempre tenho andado com a máquina do lado e hoje sempre que posso faço fotos de aves. Tenho registros em Araguatins, Pará, Maranhão, Piauí e Brasília.
Walter Antunes: Você verifica com as fotos uma resistência ou um processo de afunilamento e falta de espaço para a natureza?
Alex Montel: Penso em resistência das aves, o espaço sempre foi delas, a urbanização não as impediu de viver, pelo menos não as que fotografo em Araguatins, cidade que fica na transição entre cerrado e floresta amazônica. Por aqui encontro aves com resistência pois se adaptaram às mudanças impostas pelo homem e alimentam-se pelos quintais.
Até mesmo pelas estradas encontramos aves que modificaram seus costumes alimentares para seguirem vivendo, como exemplo eu cito o Gavião Carcará (Caracara Plancus), facilmente encontrado pela região e alimentando-se de animais que morrem atropelados por carros, alguns vivem à margem das rodovias como se aguardassem novas mortes.
Walter Antunes: As fotos se dão num processo longo para cada uma? Qual o tempo da espera e da procura?
Alex Montel: No início do processo, todos os dias eu me sentava no quintal pela manhã antes das sete horas e ficava observando as aves pousarem nas árvores dos quintais vizinhos, depois de um tempo isso foi reduzindo pois já não encontrava mais novas espécies e foi a partir daí que resolvi ir para as estradas por onde eu pedalava.
Nas estradas eu costumo observar os costumes de movimentos das aves e quando encontro um padrão de horário, costumo ir atrás para fotografar. Para o ano de 2022 eu fiz boas fotos em Conceição do Araguaia, no mês de Janeiro eu registrei dezesseis novas espécies para minha coleção, as fotos foram feitas na margem do majestoso Rio Araguaia que banha a cidade. Depois eu tive problemas de ordem pessoal que me fizeram afastar da fotografia, terminei por direcionar todas as minhas energias para um outro campo da vida e esqueci por um período a fotografia, em Junho eu consegui boas fotos em uma viagem até Canaã dos Carajás e vim retornar novamente em meados do segundo semestre de 2022.
Não há um padrão para espera nem para o momento, tem acontecido quando posso, quando aparece tempo ou oportunidade. O fato é que no momento, voltar a fotografar é sinal de que a vida está retornando aos eixos.
Walter Antunes: Qual paralelo você faz entre as aves belas e raras com o ser humano desta região norte, raro e quase invisível na visão imposta pela mídia das capitais do sudeste do país?
Alex Montel: Esse ser humano é mistura de todos os brasileiros. Por certo, há sim uma semelhança entre as invisibilidades das aves e do homem nortista. As aves que voam pelas cidades ou pelas margens das rodovias, principais focos meus, são invisíveis aos moradores da cidade devido sua correria do dia-a-dia, nas estradas então, mais ainda.
A vida na cidade mesmo que pequena, nos apequena enquanto ser humano capaz de observar a natureza. Há quem plante jardins na cidade que produzam flores, mas que são incapazes de observar que nestas flores aparecem beija-flores que ao alimentarem-se em seus quintais, fazem a polinização necessária para que suas plantas produzam flores e frutos, caso sejam frutíferas. Homens e mulheres na cidade ajudando passarinhos que retribuem e não são vistos. Sanhaços de quase todas as cores comem mamões e são espantados porque os furam, vistos como pragas, mas querem somente comer em um ambiente que não é mais tão seu. Sabiás dissipam caroços de Açaí que podem germinar em outros cantos e gerar novas árvores para alimentar mais pessoas e também aves. Mas nada disso é observado e as aves são deixadas de lado.
Eu vejo invisibilidade nisso tudo, aves invisíveis ao povo, assim como o povo do norte é invisível para os grandes centros e para a mídia nacional. Mas há para mim um grande ponto a refletir. O ser humano da região norte, região na qual vivo e me incluo como vivente desta grande região que é invisibilizado, é o mesmo que não enxerga os pássaros, nossas aves, a natureza que fotografo.
Não é a mídia das grandes capitais e centros que tornam nossas aves invisíveis, é exatamente o povo que aqui vive e cada vez que posto uma foto em minhas redes sociais é exatamente para que sejam vistas, descobertas, não é por curtidas.
Walter Antunes: Como você enxerga a arte fotográfica nesse momento com tanta gente com dispositivos para captação entre câmeras e celulares?
Alex Montel: Há fotos e Fotos, com F maiúsculo mesmo. A captura de imagem está mais acessível do que nunca, difícil encontrar quem não carregue um celular na mão pronto a registrar tudo que possa acontecer a qualquer momento e de qualquer forma. A grande questão para mim é o objetivo na captura destas imagens. Guardar o que? Guardar para quem?
Não vejo foco pessoal no foco da câmera. Sem foco e objetivo, a captura é banal. É comum ver pessoas, jovens em grande maioria, fazendo inúmeras fotos que nunca serão postadas nas redes, reveladas, vistas por mais alguém, por simplesmente julgarem que a tal da “pose” não ficou legal e por isso não merecem ser vistas. Não é a foto pelo momento, é a foto pelo ego pessoal. A grande facilidade, terminou por acabar com originalidade e a fotografia ficou banal.
Walter Antunes: As suas fotos expressam beleza, equilíbrio, revelação de um universo cada vez mais desconhecido e distante para a auto-proclamada "humanidade civilizada". Como vê as mentes e o futuro dessa humanidade?
Alex Montel: Difícil falar em futuro dessa humanidade, o que posso falar é de desejos. Tenho uma filha de cinco anos, desejo o melhor para ela e desejo que eu com meus trinta e sete anos possa acompanhar ela por muito tempo e a ensinar a viver neste caminho. Os passarinhos que fotografo, costumo mostrar para ela e gostaria muito que ela pudesse observar assim como eu um dia e se encantar com eles assim como eu me encanto.
Sei que a vida molda as pessoas cada um da sua forma, mas eu buscarei a ensinar, ensinarei também quem mais eu tiver oportunidades. Há em mim um desejo enorme que o futuro seja muito bom para todos, que essa “Humanidade Civilizada” ou que se diz assim e ao mesmo tempo destrói a natureza, as aves, as matas em busca de modernização e urbanização, pare e reflita, que possa enxergar assim como eu enxerguei as aves, que o futuro não é esse, o futuro é o da coexistência, do uso adequado de tudo que a natureza nos proporciona.
Se o futuro for de uma nova adaptação e não de destruição, a sociedade estará melhor servida, a vida será mais branda e menos sofrida, e se a sociedade não sofre, a Alice, a minha Alice como costumo dizer, terá um futuro melhor também e isso me traria paz.
Walter Antunes: Você tem trabalhado outros temas de interesse além deste com as aves e pássaros?
Alex Montel: Não tenho trabalhado outros temas especificamente, quando tenho oportunidades eu fotografo o nascer ou o pôr-do-sol, mas nada que seja constante. E tenho servido como fotógrafo de eventos das escolas em que trabalho, mas sempre deixei claro que fotografar pessoas nunca me encanta como as aves e pássaros.
Fotografar pássaros e aves trouxe para mim uma sensação de tranquilidade e um lazer que eu buscava há muito tempo. Sou professor desde 2008, queria algo que eu pudesse fazer como lazer, distração e que me encantasse ao fazer, a fotografia de passarinhos me trouxe. Quando me proponho a fazer é como se tudo parasse para aquele momento, o fotografar, a seleção das melhores fotos para edição, a descoberta de uma nova espécie para a minha coleção, tudo me atrai e me distrai.
Eu sigo dizendo que não busco likes, a troca de informações com outras pessoas que têm o mesmo gosto que eu, me encanta mais, publico para que vejam, que todos vejam, não pelos likes. Ouvir de algumas pessoas que têm conhecido os passarinhos pelo meu instagram me alegra, saber que alguém tem obtido conhecimento comigo através das postagens, vale mais do que likes. O desejo de aprender a fotografar melhor em 2020 levou-me a um caminho que eu não esperava, mas que tenho valorizado demais caminhar por ele, pois tenho adquirido conhecimento e conhecido pessoas que enriquecem meu capital cultural como diz o amigo professor Leandro Ferreira.
No início da conversa eu citei o amigo Hugo Buratti, ele indicou a mim o sábio Túlio Dornas, biólogo especialista em aves. Com Túlio aprendi demais, sigo aprendendo até hoje, essa troca de experiências é muito boa, enriqueceu-me demais. É pouco tempo com aves, apenas desde 2020, mas tenho aprendido muito. A atividade que começou com outro foco, hoje conta com mais de cem espécies diferentes fotografadas por mim. A lista pode ser conferida em minha página no site da wikiaves.
Nestes três anos de fotografia com pássaros, gostaria de destacar dois momentos que enriqueceram-me profundamente e que também alegraram bastante.
O primeiro foi a volta em torno da Ilha de São Vicente, território quilombola que fica em frente a cidade de Araguatins, junto com mais dois amigos, contornamos toda a ilha em 15 de Outubro de 2021, fizemos o percurso em motor "rabeta", viagem demorada, neste dia eu fotografei quinze espécies, naquele momento, nove inéditas até então para mim e ainda observei mais nove espécies que não consegui registro, um momento riquíssimo.
O segundo momento foi em dezembro de 2022 quando visitei uma região de mata fechada com o amigo Cristóvão Pereira, até então eu nunca havia ido fotografar em matas, fizemos o registro de doze espécies, onze novas para mim. Região belíssima, pássaros muito interessantes encontramos por lá. Estes dois momentos foram marcantes para mim. Sigo em busca de mais momentos assim, sigo em busca de mais fotos. O desejo em 2023 é registrar pelo menos cem novas espécies e que entre elas esteja o Gavião Real (Harpia Harpija), para como diz um amigo, zerar a vida.
Alex Montel por Alex Montel
Alex Montel, nasceu em 1986 em Conceição do Araguaia, Pará, filho de Seu Adiel, motorista aposentado e Dona Rosália, conhecida por Rosa, também aposentada e pai de Alice, “minha Alice”. Cara fechada e rabugento como dizem alguns amigos, mas de um coração enorme e sonhador. Um sonhador que ainda sonha como a criança que nasceu em cidade pequena, que viveu por um tempo da infância na zona rural, que morou por cidades pequenas e interioranas durante toda a infância.
Formado em Letras pela Universidade Estadual do Pará - UEPA em 2008 e mestre pela UNIFESSPA em 2019. Uma pessoa que gosta de ouvir e contar histórias, mais ouvir que contar, certamente e que vai aprendendo mais a cada vez que ouve. E claro, alguém que buscou nos pássaros um foco para aprender a fotografar, mas que encontrou neles um novo foco para a vida e uma forma de apreciar, valorizar e expor através das redes sociais o quanto a natureza é bela e encantadora a partir do momento que nos dispomos a observar ela.
Alex Montel no wikiaves