Dedicamos este espaço para homenagear as pessoas falecidas em decorrência do coronavírus. Pelos motivos que apresentaremos a seguir, estas linhas são para reverenciar especialmente as pessoas negras e pobres das periferias dos centros urbanos, bem como quilombolas e indígenas, pessoas que nos deixaram por não terem acesso à vacinação ou a um tratamento digno de saúde. Este foi o caso de Maria de Fátima Barros, líder quilombola sobre a qual falaremos logo mais.
Recentemente, houve a flexibilização do uso de máscaras, o que significou, para muitos, o fim da pandemia e o esquecimento de alguns dados: no país, contabilizamos mais de 650 mil pessoas mortas, mais de 30 milhões infectadas e, apesar disso, a vacinação caminha ainda em passos lentos.
Entre os mais afetados, estão pessoas não-brancas, das periferias e de territórios tradicionais, sobretudo as mulheres negras, como aponta o relatório final da cpi da covid. Simbólico nesse sentido foi a primeira vítima da pandemia: Rosana Aparecida Urbano, mulher negra de 57 anos, empregada doméstica que foi infectada pelos patrões após viagem deles à Europa. A condição de trabalho de dona Rosana, sem acesso ao trabalho home office, é a mesma de milhares de pessoas negras e pobres deste país, que são empurradas aos transportes públicos e, consequentemente, expostas à contaminação.
Apesar dos números serem alarmantes, eles ainda são imprecisos, pois o quesito “cor/raça” não foi levado em conta em todos os estados, ainda que tenha sido o Sistema Único de Saúde (SUS) que lidou com a crise de saúde na linha de frente.
Nos territórios indígenas foi preciso um amplo empenho das lideranças, movimentos sociais e apoiadores/as para que a vacinação acontecesse. Os povos sofrem há tempos com invasões ilegais de garimpeiros, latifundiários e grileiros, que espalharam o vírus em territórios de norte a sul do país. Isso sem mencionar a escalada de violência que nunca cessou, pelo contrário senão cresceu, impulsionada por setores ideológicos do atual governo federal.
Nas comunidades remanescentes de quilombos, a situação não foi diferente: privação, doença, ameaças física e biológica. Por isso, apesar de ter sido usada com fins eleitorais aqui em São Paulo, não deixou de ser simbólica a escolha das primeiras pessoas a serem vacinadas: Mônica Calazans, mulher negra, funcionária pública da área da saúde, e Davi Seremramiwe Xavante, pequeno indígena de São Paulo.
Maria de Fátima Barros não teve essa oportunidade, não pôde tomar a vacina. Maria de Fátima Barros, é preciso sempre repetir esse nome, faleceu em abril de 2021, vítima não apenas da doença, mas, sobretudo, da necropolítica levada a cabo pelo governo federal.
Educadora, líder quilombola da Ilha de São Vicente (Araguatins – Tocantins), militante da Articulação Nacional de Quilombos (ANQ), Fátima Barros, como era conhecida, dedicou sua trajetória em defesa dos povos tradicionais, dos negros, dos indígenas e dos periféricos. Sua morte prematura e inaceitável não pode cair no esquecimento, pois com sua partida perdemos todos.
À Maria de Fátima Barros dedicamos essas linhas e reiteramos seu nome para que sua voz, sua força e sua sede de reparação histórica se presentifiquem e nos fortaleçam, pois a luta está longe do fim.
Fátima Barros e todas vítimas pobres da covid: presentes!
Alexsandro de Souza e Silva é professor na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Unidade Passos, e membro do Grupo Cotas municipais, da cidade de Passos/MG.
fotos Walter Antunes