TRANSPASSA
Eu tenho um corpo
Que transpassa as vias da emancipação
Tenho um corpo, que transpassa
As vias da emancipação
Tenho um corpo aceso
Um corpo estereotipado
Queimado num sol seletivo
Um corpo quente, suado, forjado pra guerra
Tenho marcas de um açoite contemporâneo
Corpo bronze
Estampado nas prisões
Tenho um sangue coagulado
Convertido em lavas que correm no meu corpo vulcão
Corpo sem lugar fazendo-se de escudo e templo
Tenho um corpo estigmatizado
Subestimado
Largado em praças, sem casa, sendo caça
Corpo sem trabalho, sem boa aparência
Fazendo-se de lugar e templo
Tenho um corpo que transpassa as vias da emancipação
Um corpo...
Subjugado a nada
Somente um corpo que cabe nas brechas da conveniência
Cabível nas estatísticas
Um corpo MIXcigenado
Preto no que me cabe
E entregue aos conflitos do mundo.
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Precisamos recriar nossa revolução
Recriar Poemas luta
Poema guerra
Poema imensidão
Procuramos nas linhas da memória
Resgatar raízes
Fortificar as bases
Fortalecer os oris
Em meio às avalanches de desigualdades que estão à nossa volta
Soltaremos um brado de liberdade
Brado de guerra
Empunhamos a magia de nossos ancestrais
Para sermos invencíveis
E invencíveis seremos ao partilhar nossas conquistas
Invencíveis seremos se estarmos juntos
Junto não só na palavra sem olhar trocado
Junto pra rir e pra rangir
Junto para seguir
Pra ser mais e mais
E cada vez mais preparar nossas continuidades
Embora temos muitos avanços
A liberdade ainda não foi garantida
E se nos constituímos quilombo
Seguiremos didé
Seguiremos odara
Seguiremos ocupando todos os espaços.
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AGONIZA
Corta essa sua carne dura e sangre
Se for o único jeito de descobrir suas estradas
Ferida aberta
Falsa promessa
Corta
Corta essa
Essa falsa fortaleza
Corta essas certezas
Deixa jorrar esse sangue
Nesse peito aberto
Enfia no oco seu ego
Faze o presente ser eterno
Cava suas memórias
E reviva.
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Eu G
O
T
E
J
O
Palavras
Me embrenho por dentro das minhas moradas
Me afirmo astuto
Olho na caça e pés firmes para o próximo passo
Eu, carrego no nome a seta
Eu, cravo no peito e acerto a sina de quem me segue
Tem cordão de ouro na minha flecha
E sobre a mata
Caminhos.
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A cara nua
Olhar com brilho de chuva
Um pingo de traços de atraso
Um pingo de ironia na boca de café
Poesia
Não é só viver de sonhos
É trazer os sonhos para a nossa realidade
Ainda sonho
com banhos de sol na laje
Poesia
É retratar o desespero com leveza
Mas, meus traços não carregam levezas futeis
Então
A escrita me salva
Sou quem sou
Como sou
Dentro e fora
Inundada ou vazia
Sou como sou
Dentro e fora da poesia.
Raquel Almeida
é poeta, é paulista, filha de nordestinos
criou-se no bairro de Pirituba, na favela de Santa Terezinha
autora dos livros:
Sagrado sopro – do solo que renasço, 2014
Contos de Yõnu, 2019
blog Raquel Almeida : rakaalmeida.blogspot.com
Coletivo Literário Sarau Elo da Corrente elo-da-corrente.blogspot.com
IMAGEM árvore-corpo-vulcão por Walter Antunes