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Foto do escritorKatawixi

No meu corpo vulcão



TRANSPASSA

Eu tenho um corpo

Que transpassa as vias da emancipação

Tenho um corpo, que transpassa

As vias da emancipação


Tenho um corpo aceso

Um corpo estereotipado

Queimado num sol seletivo

Um corpo quente, suado, forjado pra guerra


Tenho marcas de um açoite contemporâneo

Corpo bronze

Estampado nas prisões

Tenho um sangue coagulado

Convertido em lavas que correm no meu corpo vulcão


Corpo sem lugar fazendo-se de escudo e templo


Tenho um corpo estigmatizado

Subestimado

Largado em praças, sem casa, sendo caça

Corpo sem trabalho, sem boa aparência


Fazendo-se de lugar e templo


Tenho um corpo que transpassa as vias da emancipação


Um corpo...

Subjugado a nada

Somente um corpo que cabe nas brechas da conveniência

Cabível nas estatísticas

Um corpo MIXcigenado

Preto no que me cabe

E entregue aos conflitos do mundo.



*****


Precisamos recriar nossa revolução

Recriar Poemas luta

Poema guerra

Poema imensidão


Procuramos nas linhas da memória

Resgatar raízes

Fortificar as bases

Fortalecer os oris

Em meio às avalanches de desigualdades que estão à nossa volta


Soltaremos um brado de liberdade

Brado de guerra

Empunhamos a magia de nossos ancestrais

Para sermos invencíveis

E invencíveis seremos ao partilhar nossas conquistas


Invencíveis seremos se estarmos juntos

Junto não só na palavra sem olhar trocado

Junto pra rir e pra rangir

Junto para seguir

Pra ser mais e mais

E cada vez mais preparar nossas continuidades


Embora temos muitos avanços

A liberdade ainda não foi garantida

E se nos constituímos quilombo

Seguiremos didé

Seguiremos odara

Seguiremos ocupando todos os espaços.


*****


AGONIZA

Corta essa sua carne dura e sangre

Se for o único jeito de descobrir suas estradas

Ferida aberta

Falsa promessa

Corta

Corta essa

Essa falsa fortaleza

Corta essas certezas

Deixa jorrar esse sangue

Nesse peito aberto

Enfia no oco seu ego

Faze o presente ser eterno

Cava suas memórias

E reviva.


*****


Eu G

        O

           T

             E

               J

                 O

Palavras

Me embrenho por dentro das minhas moradas

Me afirmo astuto

Olho na caça e pés firmes para o próximo passo

Eu, carrego no nome a seta

Eu, cravo no peito e acerto a sina de quem me segue

Tem cordão de ouro na minha flecha

E sobre a mata

Caminhos.


*****


A cara nua

Olhar com brilho de chuva

Um pingo de traços de atraso

Um pingo de ironia na boca de café

Poesia

Não é só viver de sonhos

É trazer os sonhos para a nossa realidade

Ainda sonho

com banhos de sol na laje

Poesia

É retratar o desespero com leveza

Mas, meus traços não carregam levezas futeis

Então

A escrita me salva

Sou quem sou

Como sou

Dentro e fora

Inundada ou vazia

Sou como sou

Dentro e fora da poesia.


Raquel Almeida

é poeta, é paulista, filha de nordestinos

criou-se no bairro de Pirituba, na favela de Santa Terezinha

autora dos livros:

Sagrado sopro – do solo que renasço, 2014

Contos de Yõnu, 2019


blog Raquel Almeida : rakaalmeida.blogspot.com

Coletivo Literário Sarau Elo da Corrente elo-da-corrente.blogspot.com


IMAGEM árvore-corpo-vulcão por Walter Antunes

Katawixi é um lugar de crítica,
análise e divulgação de pensamentos, pontos de vista filosóficos, práticas
e produtos culturais, livres de vínculos institucionais, 
concebido por
Luama Socio e Walter Antunes.
 
Katawixi é antes de tudo o nome de um povo que flutua agora em algum lugar na Amazônia.
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