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Foto do escritorKatawixi

O espírito rio do barqueiro



O NASCIMENTO DE DEUS

No ventre da manhã formou-se o belo

Trazendo fagulhas de pontas cortantes

Com frente pagã ergueu-se o menino

Revendo figuras de velhos amantes


A dança dos homens é vista sem Falo

Embrião cortado com força dos dentes

O grito dos mortos é dito no calo

O uivo dos vivos é visto de frente


Adulto imortal, rebelde e valente

Poder descomunal latente ao Tao

Cristianizou o pagão dos nascentes


No molde da beleza reafirmou o mau

Na brisa tangente ressuscitou o crente

Com preço informal o mataram de repente



A LUTAR

Ente Rios e riachos

Corta uma linha em passos

De pessoas insaciáveis

Famintas de terra viva

Divididas a força e aço


Entre grandes nortes

Há pessoas soltas sem marco

Pesadas cordas de fadiga

Cantando ao barulho do motor

Entenda a cantiga!


Entre o dono e o senhoril

Há um malandro, marmanjo

Gargalha à altura do cio

De fato um homem viril

Sujeito de vergonha vil


Entre Sul e Norte

Há um homem eterno

Cabra de força, materno

De braços divididos a ferro

De ombros maiores que terno


Entre Brasil e Brasis

Há vagantes, parceiros, revoltos

Para o homem de terra viva

Restou um lar, um sonho, cantar


O canto sem calar

O sonho sem vagar

Um lar a cavar

Eis o sonho do campo

Uma cova

De luta

A Lutar



O FIM DA TERRA

Roubaram as minhas terras

Meu teto

Meu leito

Minha família

Meu sagrado


Devolveram quintais

papéis que não sabia ler

Não quero saber ler dessa forma


Roubaram meu conhecimento

Minhas técnicas

Meu modo de sobrevivência


Zombaram do meu viver

Do meu ser

Do meu querer


Agora retiram novamente

O que nunca pode ser dado

Não foi doado

Arrancado


Levaram os meus papéis

Destruíram meu quintal


O Sol há de brilhar todos os dias



DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

Entre os dois

Há espaço!

Há relativismo.


Não existe, entre os dois,

Pequenez e nem grandeza


Entre os dois

Há espaço!

Há relativismo.


Existe, em cada um,

Singularidade semelhante

Peculiaridade relativa


Entre os dois

Há espaço!

Há relativismo.


Atingir ambos com flechadas

Torná-los diferentes

Vê-los iguais


MORTE SÃ

Nos dias dos mortos eu não consigo dormir

É noite e o vento sopra mais uma vez

Na minha casa as luzes querem se apagar

Já está tarde para ir ao encontro com meu avô


Todos partiram, sempre estive só em minha casa

Nasci só, mudo as mobílias de um lado para outro

Permaneço no quarto, vou ao banheiro, vou à sala

É noite, Dia dos Mortos, o vento sopra.


Permaneço intacto deitado no chão da sala

Percebo meu corpo, percebo o Corpo

Já não sou mais nada, nunca fui nada

Sinto as paredes, sinto os cômodos, sou Casa.


Já não é mais tarde, posso ir ao encontro do meu avô

Leve, sereno, meu corpo se desfaz, eu me desfaço

Sinto a presença de nada, sinto-me como no ventre

- Vovô, ensina-me a ver poesia?



SERTÃO

Naquele mato, feto em construção

Há bichos no átrio, comunhão

Onde homem vira pedra

Pra falar com o Caramulhão


É na pegada da sorte

Que homem velho faz rebuliço

Corre na ventania da morte

Grita antes do grito

Dizem que viver é sorte

Viver é sertão em rito


Recai sobre a pele escamada

A força da noite de luz

O couriço já não sente nada

Desencarna em vida, reluz


A força criadora do viver

Nos vértices dos reviventes

Se não há poder maior

Que morrer sempre à frente

Não se sabe o que é sertão

O ser que transmuta gente



FOTÓGRAFO

Escreve com delicadeza

silhuetas poéticas de presença

Faz da memória um acontecimento futuro

Comprova em um click o sentimento disperso

Alegria, sorrisos, verdades


Reproduz no cerne do momento

A faísca de esperança

Desperta a certeza de fazer da vida

Uma representação da Beleza


O fotógrafo é aquele que revela

O imperceptível

O perceptível

O percepto


Pinta um quadro com cores de tempo

Pincela um azul tão quente

a ponto de queimar a presença

Na busca de reviver

A alegria de outrora


Toma o espaço como o seu

Molda com as pontas dos dedos

Traços, cores, linhas, retas

E assim refaz um lugar inimaginável

Nos corações daqueles que acreditam


Daqueles que sentem

A Realidade



O ESPÍRITO RIO DO BARQUEIRO

Não há diferença entre o rio e o barqueiro,

em outra perspectiva, é mesma coisa.

O barqueiro toma como sua casa o barco.

O corpo sente na travessia os dedos respirarem,

leva o motor para lá e para cá.

Olha para o Rio, água, água, água, corpo.

Existe um corpo, Corpo-Rio que não faz parte do barco.

Existe um espírito, sol, rio, corpo.

Sente na casa o espírito.

Morar na casa é viver constantemente o corpo não percebido.

Sentido.

Perguntem ao barqueiro, perguntem ao Seo Pedro

Você conhece bem o rio?

Você conhece bem o seu corpo?




Poemas e Fotos de Léo Daniel



Léo Daniel

Maranhense, viveu parte da infância e adolescência em Goiás.

Adentrou à vida adulta na região do Bico do Papagaio,

lugar onde se formou em Letras pela Universidade Estadual do Tocantins.

Mora em Imperatriz, Maranhão, faz mestrado em Letras pela UEMASUL.

É professor, pesquisador e amante da fotografia e literatura.


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