Pássaros, orixás e pessoas parecem figuras bordadas no universo pintado de Renê. Linhas retas e fluidas, lado a lado ou em quadros diferentes, são experimentadas nas estruturas das formas daquilo que para o artista é puro espírito ou pura cor, porque aqui espírito é cor. As figuras são como roupas do invisível.
Descobre-se estampas e medidas geométricas disfarçadas nas penas dos pássaros, um coração costurado no peito de uma mulher e a força das divindades na rigidez de efígies hieráticas que, de acordo com o artista, foram vislumbradas através do carnaval.
Xangô
Nanã
Oxum
Renê explica: "tenho a necessidade de expressar a complexidade e a diversidade das várias correntes de manifestações religiosas que enriquecem o nosso país, tornando-o único. A matriz afro-brasileira me surgiu como necessidade de composição através da observação constante das fantasias ricamente confeccionadas nas escolas de samba do nosso carnaval. A variedade estilística me dá base inspiratória e não impõe limites para as possibilidades de criação".
Eis que surge uma Yemanjá psicodélica e expressiva de um sofrimento atento: "o sincretismo brasileiro é uma de nossas preciosidades. Refletindo sobre a questão, busquei unificar a fé africana com o cristianismo, personificando-os em um único elemento. Assim, "Maria das dores de Yemanjá" é a mãe dos crucificados, açoitados e esquecidos. Derrama o teu leite, lágrimas de sangue, alimentando a esperança dos oprimidos, banhados pelas águas de teu infinito amor!", diz Renê.
Maria das Dores de Yemanjá
Maria das Dores de Yemanjá
Mais abstratos e individualizados, ainda que universais, são os pássaros espirituais inventados por Renê: "além da paixão que tenho pelo pássaro em si, pela sua capacidade de observar a vida de pontos mais elevados com plena liberdade, ele representa também a minha necessidade de transcender limites. Busco no modo simples de vida destes seres incríveis a inspiração para minha vida prática. O pássaro tem em si a beleza da plumagem, do canto, da visão acima das paixões dos homens e não se envaidece".
Da pintura, a poesia não se separa no mundo de Renê. A abordagem do sofrimento por meio de uma mulher emudecida e de uma criança abandonada passa pela delicadeza do olhar como um poema: "creio que este é um tema onde meus pés estão fincados no chão, observando, sentido e devolvendo através da arte os "sentimentos do mundo", como bem escreveu nosso Drumond ou " Drumundo". Procuro colocar o dedo na ferida deste corpo social que dói todos os dias com os mais variados sintomas de doenças sociais. A solução para uma doença não se dá através da negação, mas, antes de tudo, pelo enfrentamento sério, duro e pungente. Só assim avançaremos".
Renê conta que seu trabalho tem a influência da longa história da arte. Menciona como inspirações principais os artistas da Bauhaus, a famosa escola de arte do modernismo alemão, e da " plêiade de 1922 aqui do Brasil, contudo, Paul Klee é o mestre que despertou a minha alma para o mais além. Não posso deixar de falar do Aldemir Martins, Picasso e dos muralistas mexicanos".
O processo de criação de Renê acontece numa mistura de "pura intuição e experimentação de técnicas". Complementarmente, a visibilidade de sua arte se dá principalmente através do ciberespaço. Renê diz que nesse momento "as redes sociais são como chaves que libertam artistas dos grilhões do elitismo, promovendo a expansão de forma democrática. Na minha singela opinião, a arte urbana deu o primeiro passo de uma revolução que a as redes ampliaram de forma imensurável. Meu principal meio de venda e divulgação é através da rede. Hoje tenho clientes na Espanha, Portugal, França, Suíça e EUA por conta deste meio revolucionário".
Richard Renê nasceu em 06 de março de 1990, distrito de Perus, São Paulo. Desde muito cedo demonstrava talento para as artes visuais, quando passava horas de sua infância reproduzindo desenhos animados que via na TV. Aos 22 anos, Renê iniciou um curso de design de interiores na Escola Técnica Estadual de Artes de São Paulo, quando descobriu-se como artista, participando de concursos de desenho livre promovidos pela escola, onde ganhou destaque. Autodidata, Influenciado pelas cores do grafitti efervescente da capital paulistana e artistas de vanguarda da primeira metade do século XX, Renê desenvolveu técnicas originais, mesclando materiais múltiplos afim de obter resultados visuais diversos para os diferentes temas abordados em seu trabalho. Renê vai da fantasia mais livre à crítica social mais angustiante, numa busca incessante para incluir a diversidade de emoções e sentimentos que movem a vida humana. Hoje, Renê segue com sua produção artística na cidade de Ourinhos, onde reside desde 2018.